sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Recriar. Recusar é ressuscitar...o que vejo já não importa...
Escada rolante e vazia, solitária no seu sereno subir...
As pessoas são formas embaçadas do outro lado da vitrine
Os sonhos retornam mais longínquos, etéreos tal qual armadilhas
Pequena casa de paredes molhadas em manhãs cinza do mês de julho...
Voz doce e saltitante da pequena Tainá...
Todos os dias são aves que despencam do céu e espatifam-se
Na planície negra do asfalto, sim, os dias são isto...
E quero partir-me ao meio e depois em milhões de pedaços
Até transmutar-se em vácuo incorrigível;
Não quero ver meu rosto nos pára-brisa
Não quero o meu corpo diante da luz
Não quero minhas digitais em face alguma ou nenhuma superfície...
Qualquer lençol, não importa que seja tênue ou áspero
Apenas que envolva, que reconforte...
Antes voara, agora sou subterrâneo e o máximo de ascensão que suporto
É o mero claudicante rastejar na superfície...
Abster-se de mim, do meu suor, da minha ociosa paz, de minha voz grave
Rápida e embaralhada, do meu olhar distante,
De minhas mãos trêmulas e nervosas...
Torvelinho sonoro que pouco a pouco vai emergindo
Abraçando todos os poros, entorpecendo, entorpecendo
Cada palavra tal qual eco num corredor escuro
Vedado onde o som morre ali mesmo abafado
Como um feto enforcado no útero da mãe-dor...
Contemplar e cair e debruçar-me sobre minha sombra
Superar e não abrir os olhos...
Deixo-me mas mesmo assim as partículas voltam a unirem-se
Cada retorno é um novo parto, um espécie de regeneração da degradação
Gradual, lenta e corrosiva daquilo que chama vida...
As páginas estão gritando para que Eu as queime.
Pois o pó e as traças virão para destruir tudo como se fosse donos, fossem reis
Agora só há antigas canções nas escadas vazias, não há sombras
Não há luzes, não há vida ou falsa vida...
Filhote de pardal recém-nascido morto no canto da porta do banheiro
Velhos colares cobertos de pó pendurados na parede branca...
Vertigem...ânsia...calo-me e caio mais uma vez
Quase tudo parece plástico e carne reciclada...
Fecho os olhos
Adormeço.

24-7-96 Difratelli Bar

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