sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Silêncio paira sobre minha mão
Nada quer sair
Vinil gira eternamente mudo
Esfaqueando mil nadas em meus flancos frágeis

Eterno murmúrio de brisa
Nas calçadas lindas polacas nuas, desembestadas
Cantando
Correndo
Sentando
Urinando nas bocas-de-lobo
Deixando as donas de casa estarrecidas
Com os lindos pelos pubianos
Juvenis e louros
Alguns ruivos
Outros negros
Castanhos e até brancos;
Com seus ciltóris em riste
Com suas vulvas beijando-se ali na esquina
Na beira-mar rolam pela areia úmida
Movimentando os ágeis dedos por toda extensão vaginal

Sim

Elas espantam os vendedores de picolé
Elas compram picolés e passam por todo o corpo
Mangaba
Tamarindo
Graviola
Suor sexo polpa de fruta

Agora música nostálgica
As janelas fecham-se
O pudor vai dormir injuriado
As polacas sorriem
Cospem na fogueira

Silêncio pairava...

8-04-93
Meu corpo está envenenado
Todo o maquinário jaz em ruína
A voz soa quase inaudível
Indo e voltando
Como uma lâmina de fino corte

Os traços explodindo
O ápice de meu esgueirar
Por sombras e caóticas sensações
Erguendo-se entre minhas mãos
Tomando-me todo o corpo
Com tentáculos e toscas ventosas

Delírio-poesia-mentira

O corpo envenenado
A alma entorpecida
Em inenarrável inconstância
Vagando ébria
Num vórtice coagulado
Dentro de minha carcaça

Resquício-estilhaço-penumbra

As mãos podres da amada
Passeando pelo corpo
Talvez ceifando
Talvez como doce pétala a curar

O crepúsculo pouco iluminando
Os poços de bílis de minha planície carnal
O mundo como uma “flor de lótus nascida no meio da lama” ao avesso

19-04-93
Com um sorriso amarelo
Agosto bate me mimnha porta
O corpo retumba em hesitação

Sim
Ele vem
Com dentes podres
Bafo gélido
Adentrando a alcov
Pelas frestas
Onde outrora
O sol esfaqueava-me
Com releuzentes adagas douradas

Por longas
Longas manhãs escaldantes
Manhãs escaldantes
Manhãs caóticas de imensos espelhos quebrados
De vermes passeando sobre a pele
A olho nu
Manhãs agônicas onde a beleza
Tornava-se dolorosa e crua
Como as 25 milhões de vulvas castradas da África do Sul, do Quênia

No gume afiado da faca-noite
Refletimos sobre os crepúsculos
As luzes acesas parecendo tumores repletos de pus
Sim, tumores fosforescentes sobre nossas cabeças

Com os olhos lacrimejantes fecho a porta
Transporto-me ao meu enorme relógio
Deixando para trás todas as manhãs tediosas e sonolentas
Fecho os olhos para o dia
Abro o meu baú de vísceras para a noite;

Onde os tumores repletos de pus
Ardem sobre nossas cabeças
Vaginas castradas vagam cegas

De nada valeu
As adagas douradas

26-06-93
Uma víbora beijou-me os pés
Como se fossem imensas moscas

Uma víbora
Um veneno
Imensas línguas

As bocas-de-lobo
Arrotando ressacas transcendentais
Uma libélula lambeu meu sexo podre
Como se fosse doce néctar
Uma libélula
Um livre passear de águas plácidas
Um olhar claustrofóbico
Contemplando repressoras grades

Uma língua passeando na ferida aberta ao sol
Um sucumbir de medonhas abelhas em minha casa
Um sucumbir
Um eterno revoar de asas podres
Um eterno doer de mão reumática
Rabiscando a infelicidade do inverno

9-5-93
Há euforia e dor em todo o corpo
Antigos cortes querendo abri-se
Toda a carcaça baila espasmódicamente em pura letargia
O passado vem como um velho punhal enferrujado
Cravejado em minha aorta

Há um revirar de olhos
Uma sufocar-se na própria saliva
Um eterno romper de vértebras
Uma náusea de cuspir sangue ao crepúsculo
O presente;
Um ranger de portas
Dobradiças esmagando as falanges

Há um repúdio da parte dos transeuntes
Um asco de olhadelas
Rumo ao meu corpo em convulsão
Um tropeçar nas ruínas
E como do nada aparecesse
Cura letárgica
Brancas agulhas
E horríveis imagens

O futuro
Meio-dia causticante
Bucetas podres
Transbordando da bocas-de-lobo

12-05-92
Ao longo caminho do revés
Reservo minha alma
Reservo ao entardecer
Toda a minha angústia
Desembesto minha carcaça
Por um redemoinho de loucas palavras
Vertidas em descompasso
Injúria e insensatez

São rotas as faces queimadas
Que sorriem pra mim
Numa manhã de sexta-feira
Que sorriem...
Que sorriem...
E não entendo
Apenas repúdio
O ácido de tais sorrisos

Essas manhãs enfadonhas
Onde tudo resulta em tristeza e nostalgia
Como se o mundo
Fosse um filme noir

Esses rumos contraditórios
Onde enormes espelhos
São belos suicídios
Como se os lares
Fossem aconchegantes feridas

13-08-93
As raparigas cantam no crepúsculo
Balançam seus vestidos
Imensas pétalas de pequena na flor
Esgoelam timbres agônicos

As crianças embaladas
Por ébria melodia
Rolam garbosamente
Pelo chão
Abraçando
Rindo
Correndo a planície com cascos de Pã

As raparigas exalam sexo
Doce néctar
Rádios,
Inúmeros rádios fora de sintonia
Numa espécie de chuva imaginária
Banhando a alma
Banhando essas íris podres
A canção das raparigas destroça
A canção podre chamada progresso
Vomita sobre os cacetetes
Erguendo mais uma vez ao volume máximo o timbre-mor
Ao romper dos auto-falantes a telúrica loucura

Orgásticos tornam-se os tons
As crianças, agora, choram
Algumas sorriem muito alto
As raparigas também choram
A canção cessa
Outra se inincia
Numa sucessão de espasmos

O mundo anoitece
A dor costuma ser vagarosa
O imprevisível é a melhor canção

20-06-92
Agora vertigo
Numa vórtice de febre e calafrios
De ponta cabeça
Como se fosse um pêndulo
A jorrar pus e desespero

Eu?!?
Sim!

Eu sem rumo
Sem âncora
Adoentado pela inconstância
Agora sou hélice nos confins de uma Austrália atômica
Moendo as pupilas podres dos que amaram
Dos que me odeiam
Enfim
De toda a minha ancestralidade

Parece que espantaram a vitalidade
De uma só lufada
Volto a ser pêndulo
Em toso os relógios fantasmagóricos
De paredes de casas assustadoras

Eu a escutar a canção nostálgica
Agora sem cançãoamigareconfortadora
Nesta sala vazia
Pois minha Mãe dorme (lógico que está muito longe)
Rústicacançãoinverno.

9-7-93
Até penso em refugo
Pois jaz em apatia todo o pensar
A alma já não ruma com certeza
E a cítara eólica despeja canções agônicas
Aos tímpanos supurentos

Sou todo irreparável;
Poço de pessimismo sem fim
Contemplando o ermo desta solidão de inverno
Não me bastam roupas quentes
A frieza das paredes aniquila
Esmaga-me os membros
Tatuando minhas mãos
Com meu “próprio” sangue

Agora seca minha boca
Sobrepujo o corpo arruinado
Deixando-o por momentos vassalo do tempo
Em dor
Em resguardo eterno
E tedioso vagar
Entre a procissão dos esquizofrênicos
Entre o descompassado balé dos epiléticos

E a alma zombeteira
Do cimo do pedestal
Apenas ri
Se encolhe
Como inocente criança.

07-93
A doença é um estado de poesia
Um escuridão
Um membro em dor
Trespassado por agulhas negras

Não.
Imagens furtivas diante do olhar cansado
Mares de pus
Taças repletas de fel

É verdade
Mas de que vale acreditar
No que é verdade
Porém momentâneo?

Ei!
Não toque neste buraco da parede.
E quero (queria?) expulsar de vez
O crepúsculo e a dor de cada vômito...

Minha casa aos poucos cicatriza
Mas novos cortes
Percorrem-na sem cessar
Eu estou bem mesmo sem ar
Coragem.

A doença é uma esperaestadodesítio
Agora espero as adagas douradas
Vindo das frestas do telhado
Sim
Como se fossem lombrigas hirtas a adentrar-me

Espero pelas cicatrizesternasferidas do firmamento
Com olhar incansável, sonolento, utópico
Acabem logo com isso;
Odeio vozes baixas falando, falando entre si

A solidão de tantos corpos podres fortalece a minha lama
Como se fosse execrável adubo
Doençapoesiadançaputrefaçãodescompasso.

11-07-93
Os esparsos se completam
No vão escuro do meu quarto abafado
Se completa numa morbidez
Num pulsar de pura e louca eloqüência
Tal qual um quasar
Uma estrela morta

Enquanto isso a nicotina passeia
As damas discutem
Batem suas línguas
Suas idéias

Enquanto isso...
Enquanto a voz vai tornando-se rouca...
As mãos dançam sobre os cabelos
Vozes cantando
Espelho
Ilusões

Os esparsos se misturam
Em louco caleidoscópio
Jamais usarei minha palavra
Em nome da discórdia
Deixarei sem sombra de dúvida
Que o silêncio tome conta desse desprezível assunto

Uma senhora louca dança
Caminha e canta em pleno meio-dia
Os esparsos se entranham
Se estilhaçam em dor
Rumo às minhas pupilas lacrimejantes

15-02-93
Olhares soltando laivos de penumbra
Rostos de bronze brilhando ao sol
Ecos ao longe
O troar urbano da vida
A dor renascendo
Reverberando como um sino na província deserta

Dentes de prata devorando a carne morta
O sangue desce das presas sobre os lábios de cristal
E como se fosse dúvida suo como um escravo a serviço do patrão
A tarde despejou-se como um toldo vermelho de sangue
Sobre a cidade tétrica...
“Falar o quê?”
Perguntam as polacas na tarde vermelha e sanguinolenta

Olhares vomitam dor e solidão
Tentáculos de enxofre abraçam
Minhas mãos como luvas de urtigas
O silêncio
O desespero como uma faca
Uma estaca na ferida aberta ao sol

Tarde qualquer de novembro – 92
Suas palavras soam esfaqueantes
Suas mãos são ancinhos devorando minha face
Vozes vozes
Vozes vozes

As janelas refletem sua saliva
Que se completa com minha dor
Sim,
As palavras agora são discórdia
Porém com suave tenacidade

Você me consumindo
Me sugando
Me dissecando
Me acabando

E ressoa dor
Dor, dor
E fútil contemplação do meu insondável abismo

Atroz, atroz
E a dor renasce, reconstrói
Reintegra o tédio das palavras lindas
Num recinto abafado

“Levanta-me”, “Levanta-me”
Diz você
Eu esmagado no asfalto de tua (in)certeza
Um coágulo meu levanta-se
Vai ao teu ouvido
E tenta cicatrizar a dor

15-02-93
Eis minhas paredes
Agora vestidas em nus femininos

As crianças me perturbam
Com suas lembranças

Essas quatro damas com seus recantos
E sua companheira inseparável
A irrefutável solidão

Agora gritam em minha cabeça
Canções doentes
Canções de dor sem fim
Fazendo o renascer o torpor
Em minha triste alcova carnal

Eu infecto cambaleio
Por entre paredes de um labirinto de pus

Um resquício de podridão
Adaga fria rasgando
O peito indefeso
Ácido fel
Sobre a língua sedenta

A noite vem dúbia
Acalanto e assassínio
O dia me espera único
Chacal faminto e feroz

Com o sol
Ardendo
Pulsando
Entre os olhos...

8-7-93
Até parece
Que há roldanas esmagando meu corpo
Canções trespassando
As vísceras estripadas
Como se a ruína do passado
Voltasse tal qual um aríete
Derrubando a porta e toda a casa

As pálpebras-conchas-de aço pesando
Querendo fechar
As fossas nasais: vulcões de catarro e pus
O hálito algo fétido
Todo o corpo fornalha e frio

Até parece
Que o tempo esmaga e espanca
E Pã sorri, saltita com sua flauta
Num sonho doente que rasgavam
As polacas de
Ticitano, Rubens, Michelangelo
Acordei suado, afobado...

Todo o sexo quimera fútil
As mão são ancinhos atrofiados
A língua uma serpente doentia
A saliva outrora aprazível
Agora é ácido sobre tua língua
Todo o corpo:
Solitude, doença
Fornalha, frio...

14- 04-93
No refluxo das hora espanto-me com a contradição das coisas
Como se fossem frágeis janelas de vidro espatifando-se...
No entardecer de minha ruína
Cada farpa de vidro
Uma lâmina tosca de enxada cortando-me os pés...
Sangrar
Regar o chão com a essência vermelha...
Nos vapores da brisa noturna as fadas festejam
Sim!
As fadas pequeninas festejam com
Suas longas madeixas banhadas de sangue
Rasgam as línguas em cálices quebrados
Trocam beijos de sangue e saliva...
Não muito longe daqui
O roçar das línguas é escutado pelos pequenos duendes
Que já sorriem com o roçar das cicatrizes bucais
Não tarda e chegam com presentes para as fadas ensandecidas
As pequeninas louras chupam meus pés cortados
Outras untam minhas pernas
Com a urina celestial de suas vulvas sedentas
O sangue para de jorrar

Num repente cicatriza e nascem novos dedos
Os gnomos vem saltitando
E aos berros anunciam a madrugada
Cada farpa agora
É pluma inigualável
Cada ferida
Flor de ébrio perfume
O crepúsculo esparrama seu manto vermelho
Os galos, os pássaros desferem adagas douradas de som
As pequeninas louras lavam suas madeixas no orvalho
Os duendes entristecem, os gnomos murcham as orelhas
O manto vermelho do Sr. Crepúsculo esfaqueia a madrugada
Faz o dia um ser pulsante
Sigo com novos pés em um velho caminho
A cada buraco sou erguido pelo perfume das fadas
Com os olhos elas abanam o adeus
Como uma estaca em flancos a varar-me
A insônia se vai e adormeço para o dia
Só irei acordar no fluxo, no refluxo das horas, das coisas

Março 93
Ao longe os parentes se vão nos braços da morte
Qualquer palavra
Qualquer canção é presságio de dor
No mormaço da quinta-feira o desânimo monta em meu dorso
Espora-me os flancos
As esporas gritam que o meu caminho é tosco
Que o meu maior trunfo é a ruína

Ao sucumbir de minha alcova
Qualquer gesto
Qualquer língua apontando o horizonte;
Presságio de ímpias palavras...
No inconstante desnudar de corpos podres
O mundo vai se enterrando em miséria
As moscas a festejarem em sabás de orgia sem fim
Toda a espécie de escória a sugarem
As feridas imensas da humanidade...

Ao estrondar de máquinas digladiando
Eu a esconder-me ou a vangloriar-me
Em meu ócio
Em meu desprezo
Pois não me interessa vossas mortes
Vossas vidas
E ao mesmo ato
Espanto-me e adormeço...

29-04-93
A alcova vazia
Música serena preenchendo
Remexo as tralhas
Escarneço os meus atos
Corto o dedo no dia da festa

Juntamente no momento
Em que o corpo era pra estar alegre
A alma estar alegre
Deixei jorrar sangue por todos os algodões
E papéis limpos da casa

Tudo se repete
Cada vez mais fundo no meu íntimo
A jovem polaca ergue o corpo
E tira a camisa
Caminha leve pelo chão vermelho da sala
Os seios duros, tenros, maravilhosos, pele limpa
“Tudo é um lapso”: grita alguém dentro de mim
“Tudo é um corte” de rapidez nunca vista
“O trigo já apodreceu!” Grita outro ser dentro de mim.
O trigo não nos enganou este ano
Esta sucessão de gritos de brota e viceja loucura infinda

Espadas de jade de cabos de marfim e adornos de ametista
Trespassam violentamente
A carne da escrava desobediente
No tardar de minha desesperança
Atiro-me contra as paredes;

O grafite envolve os muros
Num enlace de tesão
Eu não sei mas assim termina

29-12-92
Somos caquéticos rotundos
Como vozes se perdendo no frio
Nada temos obstruir...

Esse coro trêmulo de corpos molhados nome de Julho

As pétalas metálicas e furiosas
Da flor de vomitam adagas geladas
A carcaça avagina-se em fome
Tosses redundam no corredor escuro
E os dedos da polaca cavalgam no ócio da mesa de compensado

Agora o meu corpo
Explode em mil diálogos
A mão tremula
Sobre o mar-virgem-esbranquiçado da folha de papel ofício

Vejo que a lembrança
São cortes secos
Slides preto-e-branco na sala vazia
Traços confusos

Meu sangue ecoando
Escorrendo numa carta de Agosto

15-06-93
A cabeça pende, para trás, de sono
A dor é demais
O medo também;
Me diga que o barco não pode ir á pique

Não quero suportar
Este torpor de promessas
Este mal-estar de apenas ver
De não por pra fora
Esta gastura de tudo incubar

Me confirme as longas asas da insânia
Devastando essa insuportável situação
Com lufadas fortes de pura utopia...

E quero
Chupar os teus olhos
Quero todo
O teu suor como vinho da melhor safra

Também quero
Tuas mãos espancando
Todo o meu corpo

Não quero perdê-la
Quero tua virilha
Como ódio
Teu ventre
Como leito

18-01-93
Perco-me em meus sonhos
Nada falo agora
Tudo contemplo
Recluso em meu pesar
O corpo está desprezado
O crepúsculo já dói
Tal qual uma boca podre
A bocejar em minha direção

Conforme vou vivendo
Vou perdendo
Caindo em toscas razões
Não pense em minha piedade por você
Não me peça que lhe condene
Pois cuspirei em sua ferida
Com todo prazer

Sim!
Perco-me no labirinto de minha insanidade
De meus devaneios
Mas não me torno cego
Aos poços de pus
Em seus corpos
Perco-me mas vejo as moscas
Sugarem todos vocês

E acho-me feliz
No meu púlpito
Ao entardecer os gestos parecem dopados
Todos os buracos do corpo estuprados pelo cansaço
Ao vomitar do crepúsculo o entardecer nos limita a apenas bocejar
E reconhecer que somos animais perecíveis
Ao entardecer os olhos culminando dor, insatisfação, atordoamento...

Ao anoitecer sorrisos mofados
E metáforas coaguladas entre o hálito escalafobético dos eloqüentes
Ao entristecer de tua face Eu a me declarar sensações imprevistas
Novos habitantes escalando palafitas inalcançáveis,
Conturbadas e desérticas de minha alma...
Agora vociferam palavras extintas em meu baú de poesias
Palavras cansativas que quase são a borracha do desapego
A apagar o meu destino já vivido

E já vivido morro cada vez mais
Morro a cada mililitro bebido do vinho chamado vida
E ao longo da madrugada escaldante
O torpor da maturidade chegando, derrubando a porta
Escorraçando a carcaça-infância para o caldeirão de amargo pus do desespero
Quebram-se os espelhos,
As farpas de vidro esgueiram-se por fúnebres jardins de jasmim
Quebram-se as parcas ruínas de minhas parcas vidas
E caminho sonâmbulo, sóbrio no azulejo da madrugada-amada-madrugada

Ao enlouquecer, ao romper dessas passeatas de lodo e sangue
Ao enforcar de pontas de dedos em fios de nylon
Ao percutir do martelo contra a bigorna
As faíscas explodindo como se fossem adagas de suores,banhadas de suores
Suores, suores, suores
E brusca incerteza no quadragésimo-nono andar

16-02-93
Descaso de minha razão infesta caminhos que não são meus
Passos empoeirados sujam a alcova

E nesse compasso
A euforia toma conta
De minha inebriante carcaça

Vossa imagem
Vossa dor
Minha insânia
Vossa paciência
Minha adaga

Não quero ter paciência
Pois o fulgor
Ameaça e cumpre
Não quero que ele cumpra

Retorno ao desespero
Como um pássaro á gaiola
Entre as penumbras
A solidão vai desaparecendo
Como cartas queimadas
Numa manhã de quarta-feira...

13-01-92
Nas veias
Nas ruas quase camufladas, sem curvas
Nos esparsos coagulados
Nas estátuas cobertas de podridão
Nas reticências que explodem no horizonte
Apenas solitude

Nos corpos que me abraçam
Nas íris que se estufam ao sol
No explodir dos corpos em riste ali na esquina
No vácuo empoeirado das bocas secas
Apenas coma e sarcasmo

Nas reminiscências de asco imprescindível e rotundos ecos reverberando
Nas unhas sujas
Nas brisas
No murmúrio
No desembestar das línguas loucas, das cuspidas na cara.
Apenas infortúnio e dor.

14-05-96
Ânus de metal expelindo barulhos e fedorentos bafos
Aqui tudo escatológico, patético, visceral
Ao longe vaginas sedentas abraçando falos podres e leprosos
Aqui incerteza, delírio debaixo das ruínas

Na planície esburacada, claudicantes passos rumo ao horizonte utopia
Passos compostos de óleo de rícino, graxa
E catracas monstruosas dilacerando, abafando os gritos de pavor,
Piedade e loucura dos corpos vivos porém mutilados
Na insana floresta do passado que vestiu
A eufórica, caótica, relutante, discrepante armadura do futuro

Ao longe dentes cariados devoram um Mcdonalds
E as máquinas sorrindo para a imperfeição...
Aqui tudo colorido, certo demais, tudoemseulugar
No apartamento “vazio” sangue menstrual por todos os cantos
Fezes transbordando na pia da cozinha
Uma tv ligada com o canal fora do ar
Uma linda polaca comendo pipoca, assiste um filme de época
Um grito dilacerando o vazio

A monotonia é dádiva
Dos que anseiam por metrópoles
Dos que anseiam por não sei quantas dimensões
É a dádiva dos mesquinhos e dos suicidas

02-02-93
Noite, corpo molhado, pareço um poço de ácido efervescente
Tamanha é minha euforia.
Há ordens na casa, queria que não houvesse ordem nenhuma...
Sombras enlaçam-me percorrendo meu corpo com línguas negras.
Sinto que o delírio ultrapassa todos os limites impostos e ponderados.

Tenho que escrever na mesma velocidade que penso;
Fazer tudo que tem que ser feito no compasso do meu desejo insano...
Noites, sirenes anunciando
Varando a vagina da madrugada
Abortos entorpecidos vagam nas entranhas
Nas ruas carnais da Mãe noite, noite, noite...

Ao longe bailas alojando-se na carne indefesa
Desembesto minha esperança
Monto nela como se fosse um unicórnio
A galopar por planícies de trigo
Planícies de inúmeras alcovas em orgia e êxtase

Noite.
Aos poucos, ao rumo que se toma, o olhar tornando-se esbugalhado
O ciclo vai fechando-se em volta
Num rompante de loucura vozes quebram
Numa sinfonia de insensatez e tenebrosa ruína...

Num prédio vazio
A guitarra vomita solitária
O apelo de vida...
Noite
Noite
Noite...

12-92
Alguns traços erguem-se, caminham...
A noite chega com tentáculos gélidos
Bailando na mesa de mármore.
Na penumbra vejo divas balançando cabelos de prata
E soltam gargalhadas de jade;
Estenderam suas mãos para mim
Para fora da penumbra
Mãos de pluma
Unhas de ametista
Nas mãos trazem belas adagas de marfim

Pela primeira vez na vida
Ergo-me
Sorrio
Entrego-me à morte

Alguns traços repousam
Dormem, sonham
A madrugada vem anunciando
O dia com bocejos
Com latidos
Cantos de pássaros ao longe

Apanho as adagas
Uma voz cândida enrola-me
Pedindo que não vá
Que há uma surpresa
As unhas de ametistas cravam-se em meus flancos
Despertando-me

Línguas de rubi
Línguas de ágata
Línguas de esmeralda
Línguas multicores esgueiram-se por minhas arestas

Agora os traços repousam em conflito

Dezembro 92
Os pés sujos sobre um lençol limpo
A loucura cavalga um corcel
Um imenso puro sangue
Feito de pernilongos

Uma formiga passeia pelo papel em branco

Desejo que a saudade me largue
Mas me agarro a ela
Não quero que vá embora
Dou-lhe lucidez, café, chá e pão
Ela sorri
Uma linda canção soa como uma pluma a roçar o ouvido
“Um imenso fervor”; diz a dama...
E Pã esmaga amoras por todo o corpo.

O leito como um local
De trabalho
As unhas sujas
Os chinelos
Ela sorri,
Sim!
A saudade sorri
E monta em seu puro-sangue de medonhas abelhas
Deixando-me aturdido
No parapeito da janela...

Dezembro 92
Dor...fome...papel em branco
Cisco no olho
Lágrimas sem sentimentos
Porta aberta
A brisa da noite abraçando-me os calcanhares
Carro
Pano de chão (sujo)
Risos
Ironia
Desejo solidão e 4 paredes
Pétalas secas nas páginas do livro antigo
Pólen nas arestas de tua saia
Detergente
Saco de lixo
Pênis decepados
Bucetas (sem donas) invadindo-me o corpo, os poros
Bucetas arrastando-me
Bucetas arrastando-se pelas paredes
Vozes inesperadas
Água suja
O teu vestido lilás me enforcando
E eu morrendo com prazer, loucura, satisfação

02-02-93
As palavras tétricas
Soam ferinas

Talvez sangue
Em algodão esparramado pelas paredes

Vassouras guiadas
Guiando lixo
Limpando o chão

A luz

Aos poucos os traços explodindo
Em profusas canções
O calor cavalgando em corpos;
Impuras ruínas.

O torpor incendeia as entranhas
Um tédio de proporções inconcebíveis
Me afunda em desgosto
Inconstância, solidão...

Cada rumo
Um desencontro
Cada néon que acende e apaga
Um vazio à minha espera
Cada olhar
Uma imensa agulha
A tatuar o horizonte em busca de satisfação...

21 -12-92
As tralhas sucumbem
As sombras inclinam-se ao revés dos corpos, das coisas
Ao longo do vale da província o tédio é repudiado mas sem solução
As pessoas vagam em ruínas...
Arruinadas..

As palavras se sucedem
Estou triste em alcova de outrem
Triste e enfastiado
As tesouras brilham
Conversas paralelas
As tesouras passeiam como se fossem línguas escarlates
Línguas podres, roxas...

O vazio me espera
Grito
As mãos bailam, trançando, trançando, trançando
Em compasso tal qual uma madeixa loira
Ao relento de minha insânia
Mãos bailam
Enquanto canções insuportáveis escorregam malévolas
Pela penumbra da grande sala
“Não há canções com maldade!”, alguém esbraveja...

Por um instante sinto-me saudoso

E minha carcaça passeou zombeteira
Pelas veias pútridas da província
O olhar se estilhaça contra a adaga-linha do horizonte
A mão repousa
Sobre a lâmina quase cega
E sorrisos mofados
Ecoam pela torre empoeirada.

6-2-93
A insensatez
Do medo

A falta
Do nada

Como neve
Como escuridão

O prazer
Não é válido

O ébrio
A conversar o que não sabe

Consciente
Do que não fez
O desapego???

Saliva escorrendo
Entre os seios
Da polaca vestida de negro.

O céu
Agora claro

A podridão das feridas
Implorando sobrevivência

A pobreza de minhas palavras
Escarnece minha carne...

21-12-92
Rascunho minha dor
Enquanto as vozes
Enquanto as pupilas
Pulsam em letargia

Rascunho o grafite da depressão
Vozes esfaqueiam
Repito-me insanamente

Na mesa de mármore
Folhas secas
E poesia

Na branca frieza do mármore
Seus olhos pulando
Como se fossem
Pãs ensandecidos

12-02-93
Doente!
Todas as vielas carnais do meu risível corpo estão podres
Um pires branco
Um garfo na carne morta
Bocas destilando firulas
Bocas abissais.
Arruinando-me, arruinado-me.
Estou em fase terminal
As reticências se fazem constantes
E perfuram como dardos de crua incerteza

Ânus, vagina
Pênis, seios...todo o conjunto;
Os emissários do caos e do total prazer!
Que venham em meu corpo
Que venham ao meu corpo
Corroer o que há de são

É noite
Quarto branco com portas vermelhas

25-01-93
Peidos sufocantes
Cuspidas ao muro
Repúdio
E reluto em voltar pro meu recanto

Um saxofone choraminga ao relento
De uma madrugada qualquer em New Orleans

Tesouras, lâminas cegas, mãos trançando...
Aos poucos vou tornando-me escatológico
A azia irrompe em devastadoras estocadas
O esôfago queima, queima...
Uma barata transita pelo pus ensopando-se até morre afogada

Peidos!
Peidos?
Cuspidas!
Cuspida?
Conversas paralelas, risos, pés sujos,
Espelhos distorcendo tudo
Pés sujos
Unhas coçando, coçando, coçando...

Na penumbra
Um pouco de dúvida, solidão
Um olho com uma estaca
Uma boca pútrida and bulshit
Peidos!?

Penumbra.
Na janela uma senhora de cabeça alva
Observando as sombras em dramático balé
Risos e dentes à mostra....

25-01-93
A insensatez
Do medo

A falta
Do nada

Como neve
Como escuridão

O prazer
Não é válido

O ébrio
A conversar o que não sabe

Consciente
Do que não fez
O desapego???

Saliva escorrendo
Entre os seios
Da polaca vestida de negro.

O céu
Agora claro

A podridão das feridas
Implorando sobrevivência

A pobreza de minhas palavras
Escarnece minha carne...

21-12-92
Os ângulos são os mesmos
Os cheiros parecem eternizados
As cores repousam tépidas
Solenes como se fossem divindades gregas
As sombras parecem serpentes tatuadas em meu corpo
Tudo cinza
Tudo lusco-fusco
Tudo onírico e silencioso como um retrato preto-e-branco

Letargia...umidade...sonolência
E em manhãs vaguei como um fantoche;
Um fantoche de olhos orientais que odeia a luz da manhã.
A cada vômito sinto que a morte é minha residente tanto quanto a vida...
Fecho os olhos pra escutar o burburinho suave das crianças
Esqueço tudo aquilo que é morte, de tudo aquilo que seja vida.

Desejo silêncio
Não há mudez nas coisas do mundo
Todas as imagens gritam aos tímpanos, aos olhos
E flutuo de tanta dor acima dos sorrisos gelados de auto-satisfação
E desejo como que por uma eternidade
O silêncio feito de gestos do cinema mudo

8 maio 96
Sou sombra

Nunca luz
Alguns pingos dourados cortando, esfriando a noite
Queixo-me
Corto, quebro todas as máscaras
E o passado tem boca morena, olhos vívidos, mãos fogosas.
A dor entrou na tarde de segunda-feira
Ferindo cotovelos e joelhos num presságio fúnebre
Onde o mundo era uma tela de cinema
E nesse filme não havia mais abraços
Só o vazio das letrinha subindo
Apenas poltronas vazias na escuridão

Sou eco

Nunca silêncio
Sua voz murmurando despedidas em madrugadas de cama estreita e solidão.
Despedaço-me
E no seu abraço a dor se esvai
A febre torna-se incalculável aconchego
Os sorrisos flutuam quase grudado no teto
Flutuam como úlceras amarelas
E o silêncio chega vestido de tvs desligadas
Numa sala minúscula de paredes sujas

30-05-96 quinta-feira
Muito difícil lembrar todos os sonhos.
Igualmente difícil lembrar de poemas rasgados.

Você num mastro muito alto, coberta por um manto branco
Eu um pouco acima de Você flutuava de braços abertos
Depois estamos num meio de um tiroteio
alguns homens tiram Você de meus braços, Eu grito que te amo
Você tenta gritar mas um homem branco de arma em punho
Encaixa o cano da arma em tua boca e detona
Mesmo assim em meio ao sangue e os dentes quebrados
Você regurgita o sangue com a frase “eu te amo”.

Difícil mesmo é não sonhar...beijos aqui, vaginas ali...
Queda que aos poucos tornam-se vôos...
Palavras que não entendo porém as sinto...

Negra lânguida, ofídica que abre as pernas,
No meio das pernas algo maravilhoso, suculento;
Ela se masturba, arqueja, arfa insatisfeita, sedenta.
Então chega um rapaz magro, cabelos curtos e a penetra.
A língua da negra baila no ar à procura da outra língua
As estocadas são fortes no corpo magro da serpente de ébano
Ele branco
Ela negra
Um só nó
Um corpo tântrico
Apenas um feixe de energia...

Eu dizia vamos atravessar o Nordeste a pé...
Caminhávamos sob o sol escaldante. Chegando numa casa mandam-me entrar.
Conduzem-me ao um quarto. Lá, pasmo ao encontrar meu Avô octogenário
Cheirando cocaína na unha do polegar direito...

Às vezes não queria sonhar.
Não queria pra esquecer a névoa, a bruma mágica do sonho.
Há uma coisa que me irrita nos sonhos.
Não há música.
Apenas uma nostalgia que envolve tudo.

17 abril 96
A sala jaz em silêncio...migalhas pelo chão...
A televisão é um deus morto e manipulador...
A velhice é cheiro acre doce de meus avós... a morte ronda meu corpo
A dor é um carro preto e branco pela madrugada...
Não há mais silêncio, existem moscas copulando no chão sujo...
Na noite de ontem retornei pra casa por outro caminho
Não quis mais o mesmo labirinto, resolvi criar novas fugas, novos rumos...
A dor quer algemar a todos...as motos-serra zumbem pela manhã
Aqui não há mais energia...
As paredes, os livros, os retratos, as colagens
Dizem em uníssono que não nasci para possuir, apenas para contemplar...
Ontem em louvor ao invisível, copos repletos de cerveja voaram
Banhando a todos, e depois espatifaram-se contra o solo de mármore...
Não quero escutar o burburinho...
Não quero ver as feridas ambulantes que são as pessoas...
Aos poucos sou invadido pela luz, pela felicidade;
Belos sorrisos numa tarde de sábado...
Queria não mais sentir a felicidade porquê ela é muito rápida...
Bolhas de sabão na noite...pia entupida de v^mito amarelo
Sem perceber saio de casa...não mereço o que tenho...
Pressa e inconstância são os elementos que moram em meu coração...
Meus olhos recusam-se em contemplar a claridade
Minhas mãos não desejam tocar em pele alguma
E no meu peito arde um redemoinho de dor, desejo e expectativa
Não sei que estradas me esperam mas sei para onde vou...
A cada biscoito mastigado o tédio lapida-se...a sala já não é silêncio...
E você parece um partícula de filme noir...
Divago, cochilo por alguns segundo...
Minha Bisavó repousa alegre aos 87 anos no antigo retrato...
O langor nas tardes de verão me abraça...
Nos outros lares os deuses estão ligados...
Aqui é como se a escuridão engolisse o dia dentro do próprio dia...
Meu corpo é uma lesma letárgica...teu sorriso algo lisérgico
Sinto-me mera mancha em teu corpo
Sou sono, sonho e quase vida...

Março 96
É bom estar com fome em antros que não são meus
Sentir o âmago da necessidade transmuta-se em delírio
Deixar que as canções atrapalhem a máquina-inspiração
É bom sentir o chão tornar-se líquido, bruxuleante
E cair numa falsa queda, num falso abismo
Sentir todas as vísceras, ouvir o murmúrio das vísceras
Pequenos pés que caminham nos diminutos córregos de sangue...
As palavras são lentas, os gestos são rabiscos numa tela azul
O olhar é pára-brisa embaçado
Tudo ao redor é lama, enrugado como os lábios de minha Avó
E é fogo...e é frio...assim vais nascendo, subindo, queimando, cortando
E é dor...e é pavor...então o sono chega...
Como numa cama fria e silenciosa me agasalho, me agacho
Sinto uma angústia que não é minha
Tentáculos púrpuros envolvem minhas mãos
Casca de ovo flutuando perante os olhos, sinto comichar o peito;
Náusea, cãibra...o silêncio quer calar, engolir tudo
Hoje não há luz, hoje a língua repousa
Amanhã é amanhã e não importa o que haja
Queimo-me, perco-me em coivaras, perco-me em mares alcoólicos
Respiro profunda e pausadamente
Agora queria ver teus olhos, beber teu sumo mas não queria beija-la
Na tarde de Maio as canções são bucólicas
Os objetos parecem concentrados com algo profundamente intrínseco
A brisa é artificial e tem hélices cinza
Não há mais fome, só há imobilidade e sonolência
E o leito que me deito não é meu, até os sonhos não parecem serem meus
Tudo que há em mim é dos outros
Não sei o que é ser dono de mim, nunca aprendi a ter
E quero gritar como se fosse o último grito
Quero gritar diante o espelho banhado em sangue
Quero como se o flagelo fosse a grande ascensão

1996
A cada pedaço de carne regurgitado surge uma nova canção
Imensas chamas
Seres trôpegos numa redoma de nojo
A canção popular se prolonga por todo o ser...espasmos...olhares espios
Perco as pernas, perco os braços
Ganho tentáculos, ganho asas
Tudo é tremor
Replay feroz e sangrento
Suportarei, suportarei todos os ácidos
Todas as salas cáusticas da monotonia
Suportarei, apenas peço que tenham melodias...
As unhas sujas repousam sob(re) a página em branco...
A angústia é um óculos quebrado sobre uma mesa de toalha verde...
O corpo arde, arde e voa rumo à escuridão e depois expele luz,
Navalhas fulgurantes de luz...
Uma menina a hélice de um liquidificador
Pra beijar-me também, sim, ela juntou seus lábios-farrapo
Aos meus perfeitos lábios, sue sangue em minha saliva,
E sorri, sorri de tanta dor...
Bonecos de pelúcia repousam sob a luz fluorescente
A mudez das vitrine abraça o meu ventre e explode em meu peito
E sou resto de vida, sou pulso que sangra perante o espelho
Sou corpo que agoniza envenenado no tapete da sala vazia
E também já sou a própria sala pois o meu sangue escorre em suas paredes,
Em minha paredes...
Não ter fim
É isso tudo que pedem
Não ter redomas
Tudo que vejo são redomas; são parapeitos
Imensos abismos
Janelas cinza
Fumaças-serpente num bar em penumbra
Mas ter fim é não ter fim
Não ter fim é parto interminável...

16 de março - 96
Recriar. Recusar é ressuscitar...o que vejo já não importa...
Escada rolante e vazia, solitária no seu sereno subir...
As pessoas são formas embaçadas do outro lado da vitrine
Os sonhos retornam mais longínquos, etéreos tal qual armadilhas
Pequena casa de paredes molhadas em manhãs cinza do mês de julho...
Voz doce e saltitante da pequena Tainá...
Todos os dias são aves que despencam do céu e espatifam-se
Na planície negra do asfalto, sim, os dias são isto...
E quero partir-me ao meio e depois em milhões de pedaços
Até transmutar-se em vácuo incorrigível;
Não quero ver meu rosto nos pára-brisa
Não quero o meu corpo diante da luz
Não quero minhas digitais em face alguma ou nenhuma superfície...
Qualquer lençol, não importa que seja tênue ou áspero
Apenas que envolva, que reconforte...
Antes voara, agora sou subterrâneo e o máximo de ascensão que suporto
É o mero claudicante rastejar na superfície...
Abster-se de mim, do meu suor, da minha ociosa paz, de minha voz grave
Rápida e embaralhada, do meu olhar distante,
De minhas mãos trêmulas e nervosas...
Torvelinho sonoro que pouco a pouco vai emergindo
Abraçando todos os poros, entorpecendo, entorpecendo
Cada palavra tal qual eco num corredor escuro
Vedado onde o som morre ali mesmo abafado
Como um feto enforcado no útero da mãe-dor...
Contemplar e cair e debruçar-me sobre minha sombra
Superar e não abrir os olhos...
Deixo-me mas mesmo assim as partículas voltam a unirem-se
Cada retorno é um novo parto, um espécie de regeneração da degradação
Gradual, lenta e corrosiva daquilo que chama vida...
As páginas estão gritando para que Eu as queime.
Pois o pó e as traças virão para destruir tudo como se fosse donos, fossem reis
Agora só há antigas canções nas escadas vazias, não há sombras
Não há luzes, não há vida ou falsa vida...
Filhote de pardal recém-nascido morto no canto da porta do banheiro
Velhos colares cobertos de pó pendurados na parede branca...
Vertigem...ânsia...calo-me e caio mais uma vez
Quase tudo parece plástico e carne reciclada...
Fecho os olhos
Adormeço.

24-7-96 Difratelli Bar
Fadiga...os minutos correm como minúsculos dardos venenosos,
As horas passeiam lentamente como foices sem gume na vegetação...
Fome...a mente grita, o corpo reluta pedindo ocaso, eterna indecisão...
Os outdoors dizem: colecione, empilhe, forneça, seja o mundo, ressuscite,
Construa estátuas, eternize-se...
As músicas na manhã de sexta-feira são lentas, densas...
Não sei porque há tanta vida nessa carcaça...
Os flancos explodem de dor...
Cada palavra é um eterno retorno....
Cada “noite perdida” é um encontro com o que resta da essência-vida
Que em mim reside...
Não há desespero,
Apenas fleuma intransponível que agride e quebra todos espelhos.
Quando começo o vômito, não quero mais parar
Enquanto houver vazio branco frente aos meus olhos...
E num murmúrio as palavras da grande amiga-irmã tornaram-se banais
Como se fossem anúncios de televisão; os gestos não foram suaves
Não havia mais a fada que conheci. Tenho medo que seja a última vez que a vejo...revista velha, mofada no meio da sala limpa...
Na madrugada de hoje não sonhei; o sono foi um manto negro e inerte...
As foices brandiam ferozes no ar mas nada eram contra o poder das rajadas...
Mais uma vez o sangue banha a terra...ontem tudo foi frustração...
Não há sombras, tudo é horrível luz varando as pupilas...
Não permito o silêncio em nenhum dos vãos da alcova...não aceito o vazio,
Tem que haver alguma coisa, algum resquício; sempre patchwork incontrolável
Nunca página em branco...
As antigas canções arrepiam todo o corpo suado, trazem lágrimas aos olhos
Me fazem descontrolado na manhã nublada de abril...
O perdão é um tanque passeando nas ruas de Sarajevo...
Vagaroso, tortuoso, escorregadio, eis o mundo como o fizeram...
Até que ponto vale viver?
Sou mais um corpo suado sob o sol Nordeste...cacto ressecado...
Etíope espécime entre as paredes repletas de néon da cidade...desespero...
Fácil é lutar e não ser feliz...
Quase tudo em minha casa é distante, estranho, infeliz...
Não sei onde por as mãos e as palavras...
O paladar tornou-se obsoleto
Pois as coisas que me rodeiam não possuem mais sabor algum...
Lampejos...vozes...cacos
O querer já não é desejo mas mero ato enfadonho; louvor à ruína.

19 abril 96
Ontem Eu disse que não queria escutar as canções tristes da vida...
Lindo umbigo tatuado...e tuas lágrimas rolaram pela face branca...
Ontem o mundo inteiro era uma canção nostálgica e triste...
Na sexta-feira o mundo era calmo...
No sábado as ruas eram serpentes negras anestesiadas...
Antonin Artaud delirando na tarde de domingo...
E na noite de domingo chorei vendo um filme preto-e-branco...
É deliciosa a sensação de que o cérebro é um misto de uma tela branca virginal
E pura com inúmeros recortes ao redor pairando eternamente...
E já o terceiro inverno que passo entre tuas pernas
Hoje a mão trêmula apalpa as cicatrizes feitas por tuas unhas
Agora manhã de brisa suave e parca luz...
As vísceras se movimentam na manhã de terça-feira ruminando ebriedade...
Amargo...vassouras azuis de cerdas fosforescentes...pássaro engaiolado...
Quem é o meu sofrimento? Quem é o meu olhar? Quem é o meu beijo?
Quem é o meu abraço?
A saudade é um antigo desenho animado em pleno meio-dia...
A perspectiva é um relógio quebrado...
O prazer é uma pirâmide negra de cabeça para baixo...
Ontem-nada, ontem-álcool, ontem-vácuo...
E como se fosse erro vou parar em outros lugares...
Já não posso andar pois grilhões de carne pesam em meus calcanhares,
Estragam a garganta...
Sou invadido por sonhos, pequenos filmes de cores berrantes, surreais
Ontem-penunbra...saudade das pequeninas mãos de Renata...
E sei que sou mero esboço de uma grande obra,
Formidável sombra, opulenta raiz....
Há uma confusão, um redemoinho onde a ressurreição é uma nova morte...
Amanhece tudo cinza e alagado...o silêncio abraça tudo...
Onde estão vocês? Onde está você? O que querem vocês?
As paredes estão nuas, o leito desarrumado, as teias de aranhas perfeitas
Em sua geometria enfeitam o telhado...
Aos poucos a escuridão vai sendo expulsa pela violenta luz solar...
Não queria amar...queria esquecer...
E as músicas da manhã de quinta-feira são nostálgicas, tristes...
Pássaro exausto sobrevoando o oceano infinito...
O vinil gira...
Mas o mundo não se ajusta à minha melodia...

Ano 96
Vazio
Envolto em melodias
Mesmo assim
Frio

Aos poucos a noite torna-se horrível
Vaso despencando, despedaçando-se;
Cada caco uma estrela de desamparo e dor
Sorriso banguela da paraplégica que pede esmola
Mulheres grávidas dependuradas pelos pés

E não há futuro
Não há ruínas
Apenas tardes cáusticas e intermináveis

Minha boca tornou-se quebranto...
Minhas mãos tornaram-se tentáculos ressecados
Meus olhos tornaram-se janelas quebradas de casas desertas

Amargo e insalubre
Tudo transmutando-se em eterno passado
Cartas queimando ao som de Billie Holiday

27-11-96
Os meus olhos explodiram
Os teus olhos explodiram

Como papoulas ao meio-dia

Os meus lábios racharam
Os teus lábios sangraram

Como se o nosso destino
Fosse apenas sofrer

Por todos
Por tudo

E até por nós