segunda-feira, 25 de outubro de 2010

De que adianta o riso
Se há preocupação
Pra quê o pasto
Se logo após será náusea?

Apolo esconde-se atrás das montanhas
Pã assobia uma melodia fúnebre;
Em meu antro contemplo excretos humanos
O nojo me domina mas não há como evitar

Apenas dou passos pra longe da lucidez
Vou em busca da névoa
Louca ninfa herbácea que relaxa
Drágeas pra suportar, suportar e viver

Lóki sorri de minha amargura
Hela olha-me desejosa;
Já sinto na boca o gosto insalubre da doença
Busco no sono de um leito velho a cura

Mas não adianta porra nenhuma!
Estou cercado
Preso nos tentáculos
Nas ventosas letárgicas do ócio...

02-05-2000
Na minha cabeça um eco
Acima dela hélices velozes que refrescam
Tudo se dissolve em mórbido estranhamento
Outros dias outras noites
Injúria acalorada de mágoa perversa

Quero acreditar na obviedade pura do cotidiano
E cada dia é um novo dia mesmo sendo embolorado...
Cinza-morte, azul-dor, vermelho-insanidade
E atrás de minhas lentes vermelhas
Vejo o mundo como será daqui a alguns anos:
Uma desolação árida de habitantes esquizofrênicos

Na minha cabeça um eco em que se transmuta constantemente
Micro-galáxias que explodem
Surrealismo imperceptível onde perco-me em mutismo
No silêncio das horas tomo meu antídoto para o real
Nunca consigo dormir quando quero
Acordo cedo muito cedo
E na agonia vou como se não fosse a lugar algum

Sei de minha sede
Das vozes que não param em minha cabeça
Sei que esquece uma frase bela
Sei que não sei pra quê tanta coisa
O que nos espera é o vazio

Mais tarde
As hélices irão parar o giro refrescante
Só o escuro
Só o frio
Serão seus companheiros
E amanhã...
É, amanhã não sei...

08-06-2000

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Energia desmesurada
Sono não dormido
Uma carreira atrás da outra
Engana e satisfaz

Resta o branco do dia
Longa jornada
A esqualidez tendo
Que agüentar o tranco

Na escada ouço
Cama que range
Gemido forçado
Esgar sincero

Mão apara
Gozo enfraquecedor
Mistura de sêmen e merda
Desce rodopiando

Água tépida
Pele arrepia
Pálpebra tremula
Ácido chega até a boca

Fossas cortadas
Pelo lixo
Sem preço
Ausente de sentido

Nuvem cinza
Instala-se magnífica
Que demore
Desabe se quiser

Gole após gole
Vazio preenchido
Pés inchados
Voz incessante

12-08-2010

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Rasgar teu ventre adiposo, disforme.
E nele depositar flores das mais variadas espécies.
Depois costurar com as pétalas do lado de fora.
Todas as flores em meio ao sangue e as camadas de gorduras.

Surrar teu lombo com toalhas molhadas e cadeados amarrados na ponta.
Cortar, decepar. Teus braços enforcados com nylon.
Costurar o bico dos teus seios no lábio inferior.
Álcool, sal, solda cáustica. Hálito pútrido, repugnável.

Fincar garfos no teu Monte de Vênus.
Ao som dos teus gritos solfejar maravilhosas melodias.
Mexendo e remexendo os garfos em descompassado ritmo
Untar tua vulva de mel; exército de formigas a devorar o teu oco macio.

Fatiar tua língua em minúsculos cubos
E enfiar um a um no teu ânus.
Urinar em teus ouvidos...
Defecar em tua boca sem paladar.

Odeio? Amo? Desprezo? Nada? Nada?
Serrar tuas pernas com serrotes cegos e enferrujados
Esmagar teus pés a marretadas; o sangue inundando seus sapatos.
Beleza? Feiúra? Nada? Vácuo infindável?

Cortar suas nádegas com os cacos do teu espelho
Decepar teus dedos e enfiar em teu nariz
Arrancar teu intestino para amarrarem teu pescoço
Ternura? Pele tépida? Doce perfume?

O que era névoa tornou-se inóspita claridade.

Primeira semana de outubro – 1995 – Eva

sexta-feira, 4 de junho de 2010

No refluxo das horas espanto-me com a contradição das coisas
Como se fossem frágeis janelas de vidro espatifando-se...
No entardecer de minha ruína
Cada farpa de vidro;
Uma lâmina tosca de enxada cortando-me os pés...
Sangrar, regar o chão com a essência vermelha...
Nos vapores da brisa noturna as fadas festejam
Sim!
As fadas pequeninas festejam
Com suas longas madeixas banhadas de sangue
Rasgam as línguas em cálices quebrados;
Trocam beijos de sangue e saliva
Não muito longe daqui o roçar das línguas
É escutado pelos pequenos duendes
Que já sorriem com o roçar das cicatrizes bucais
Não tarda e chegam com presentes para as fadas ensandecidas
As pequeninas louras de olhos amendoados chupam meus pés cortados
Outras untam minhas pernas com a urina celestial de sua vulvas sedentas
O sangue para de jorrar
Num repente cicatriza e nascem novos dedos
Os gnomos vem saltitando
E aos berros de alegria anunciam a madrugada
Cada farpa é pluma inigualável
Cada ferida flor; ébrio perfume
O crepúsculo esparrama seu manto vermelho
Os galos, os pássaros desferem adagas douradas de som
As pequeninas louras lavam suas madeixas no orvalho
Os duendes entristecem
Os gnomos murcham as orelhas
O manto vermelho do senhor crepúsculo esfaqueia a madrugada
Faz o dia um ser pulsante
Sigo com novos pés em um velho caminho
A cada buraco sou erguido pelo perfume das fadas
Com os olhos tristes elas abanam o adeus
Como uma estaca em meus flancos a varar-me...
A insônia se esvai e adormeço para o dia
Só irei acordar novamente no fluxo, no refluxo das horas, das coisas...

Março 1993
Peidos sufocantes
Cuspidas ao muro
Repúdio
E reluto em voltar pro meu recanto

Um saxofone choraminga ao relento
De uma madrugada qualquer em New Orleans

Tesouras, lâminas cegas, mãos trançando...
Aos poucos vou tornando-me escatológico
A azia irrompe em devastadoras estocadas
O esôfago queima, queima...
Uma barata transita pelo pus ensopando-se até morrer afogada
Peidos!
Peidos?
Cuspidas!
Cuspidas?
Conversas paralelas, risos, pés sujos
Espelhos distorcendo tudo
Pés sujos, unhas coçando, coçando...

Na penumbra um pouco de dúvida, solidão
Um olho com uma estaca
Uma boca pútrida and bulshit
Peidos!?
Penumbra
Na janela uma senhora de cabeça alva
Observando as sombras em seu dramático balé...
Risos e dentes à mostra...

25-01-93
A insensatez
Do medo
A falta
Do nada

O prazer
Não é válido

O ébrio
A conversar
O que não sabe

Consciente
Do que não fez
A sala jaz em silêncio...migalhas pelo chão...
A televisão é um deus morto e manipulador...
A velhice é o cheiro acre e doce de meus avós...
A morte ronda o meu corpo...
A dor é um carro preto e branco pela madrugada...
Não há mais silêncio, existem moscas copulando no chão sujo...
Na noite de ontem retornei pra casa por outro caminho
Não quis mais o mesmo labirinto, resolvi criar novas fugas, novos rumos...
A dor quer algemar a todos...as motos-serra zumbem pela manhã
Aqui não há mais energia...
As paredes, os livros, os retratos, as colagens
Dizem em uníssono que não nasci para possuir, apenas nasci para contemplar...
Ontem em louvor ao invisível copos repletos de cerveja voaram banhando a todos e depois espatifaram-se contra o solo de mármore...
Não quero escutar o burburinho...não quero ver as feridas ambulantes que são as pessoas...
Aos poucos sou invadindo pela luz, pela felicidade;
Belos sorrisos numa tarde de sábado...
Queria não mais sentir a felicidade porque ela é muito rápida...
Bolhas de sabão na noite...pia entupida de vômito amarelo
Sem perceber saio de casa...não mereço o que tenho...
Pressa e inconstância são os elementos que moram em meu coração...
Meus olhos recusam-se em contemplar a claridade.
Minhas mãos não desejam tocar em pele alguma
E no meu peito arde um redemoinho de dor, desejo e expectativa
Não sei que estradas me esperam mas sei para onde vou...
A cada biscoito mastigado o tédio lapida-se...a sala já não é silêncio...
E você parece uma partícula de filme noir...
Divago, cochilo, por alguns segundos...
Minha Bisavó repousa alegre aos 87 anos no antigo retrato...
O langor das tarde de verão me abraça...nos outros lares os deuses estão ligados...aqui é como se a escuridão engolisse o dia dentro do próprio dia.
Meu corpo é uma lesma letárgica...teu sorriso algo lisérgico
Sinto-me mera mancha em teu corpo...
Sou sono, sonho e quase vida...

Março 1996
Deitar
Fechar os olhos
E sentir todas as feridas até a carne não agüentar mais

Esticar
Gritar de rouquidão
Ver o pus explodir como pequenas papoulas amarelas
Cogumelos líquidos brotando na pele morena

Amar
Lograr a todos
E esquecer tudo aquilo que tenha semelhança ou que seja amor
Tanto mas tanto que alma vazia vague nula e incompreensível

Correr
Flutuar nas entrelinhas
E não mais sentir os pés
Pequeninas asas que fazem flutuar acima, muito acima

Sentar
Camuflar-me em meio ao cinza do inverno
Deixar que as imagens grudem no corpo
Patchwork esquizofrênico, caleidoscópio irreversível

Dormir
Morrer
Esquecer que há um mundo sólido
Vórtice Caótico
Eterna claridade

09-06-96
Fadiga...os minutos correm como minúsculos dardos venenosos,
As horas passam lentamente com foices sem gume na densa vegetação...
Fome...a mente grita, o corpo reluta pedindo ocaso, indecisão eterna...
Os outdoors dizem: colecione, empilhe, forneça, seja do mundo
Ressuscite, construa estátuas, eternize-se...
As músicas na manhã de sexta-feira são lentas, densas...
Não sei por que há tanta vida nesta carcaça...os flancos explodem em dor...
Cada palavra um eterno retorno...
Cada “noite perdida” é um encontro com o que resta
Da essência-vida que em mim reside...
Não há desespero, apenas fleuma intransponível que agride
E quebra todos os espelhos.
Quando começo o vômito, não quero mais parar
Enquanto houver vazio branco frente aos meus olhos...
E num murmúrio as palavras da grande amiga-irmã tornaram-se banais
Como se fossem anúncios de televisão; os gestos não forma suaves,
Não havia mais a fada que conheci.
Tenho medo que seja a última vez que à vejo...
Revista velha, mofada no meio da sala limpa...
Na madrugada de hoje não sonhei; o sono foi um manto negro e inerte...
As foices brandiam ferozes no ar mas nada eram contra o poder das rajadas...mais uma vez o sangue banha a terra...ontem tudo foi frustração...
Não há sombras, tudo é horrível luz varando as pupilas...
Não permito o silêncio em nenhum dos vãos da alcova, não aceito o vazio,
Tem que haver alguma coisa, algum resquício;
Sempre patchwork incontrolável, nunca página em branco...
As antigas canções arrepiam todo o corpo, trazem lágrimas aos olhos
Me fazem descontrolado na manhã nublada de abril....
O perdão é um tanque passeando nas ruas de Sarajevo...
Vagaroso, tortuoso, escorregadio, eis o mundo como o fizeram...
Até que ponto vale viver? Sou mais um corpo suado sob o sol do Nordeste.
Cacto ressecado...etíope espécime entre paredes repletas de neon da cidade.
Desespero...fácil é lutar e não ser feliz...
Quase tudo em minha casa é distante, estranho e infeliz...
Não sei onde por as mãos e as palavras...
O paladar tornou-se obsoleto pois as coisas que rodeiam não possuem mais sabor algum...lampejo...vozes...cacos..
O querer já não é desejo mas mero ato enfadonho; louvor à ruína.

19-abril-1996

sábado, 29 de maio de 2010

Insólito. Letárgico. Profusão de lábios. Minhas palavras jorram quebradiças rumo às tuas cicatrizes. Leito empoeirado...cáustico...lençóis no varal...esgoto a céu aberto...sapatos brancos...resquícios nostálgicos desenhados, traçados, rasteiros e sem ordem sobre a toalha da mesa...melodrama...queixumes...promessas de ausência...a tela do cinema é rasgada...espelhos...impotência tatuada fazendo um fábrica de revés; imenso iceberg perdido no oceano-ânsia-atlântico...quebro jarros na parede, junto os cacos...colóquios áudio e visuais televisivos, ali, aqui, motores, pernilongos circulando ao redor da carne-sangue...jogadores de xadrez suicidas varando a madrugada...bêbado dando discurso sobre educação às nove horas da noite esgoelando, gritando, resfolegando numa discussão confusa a cuspir os passageiros, uns sorriem, outros reclamam, alguns baixam, encolhem-se tapando os ouvidos...agonia...cafeína...dedos diáfanos na tecla do piano...é sábado e vomito carne bovina junto com cerveja na calçada do colégio para esvaziar, para beber novamente, beber e rir, beber e sonhar, beber e iludir-se...e degusto cada palavra com deleite único e infinitesimal como se fosse croissant numa tarde segunda-feira, cada palavra-dor, cada palavra-escárnio, cada palavra-saudade com polidez cirúrgica e sofismática de um provador de vinhos caquéticos e alcoólatra; primeiro avassaladoramente a engolir e transbordar pelas bordas da boca, segundo cautelosamente sem dar muita atenção, terceiro desprezivelmente, calidamente a passear os olhos ao redor...bolsa de palha no canto da parede esburacada...cachorros latindo...flautas transversais flutuando nas teias de aranha do meu telhado...a sala é invadida por Brahms, Schubert, Bach...fotografias rasgadas...lábios grossos e apetitosos da vendedora de acarajé...ela vem e pousa em meu dedo sugando sangue, caçando, alimentando-se, subitamente aça vôo e pousa em meu joelho...a melodia evolui gradual e magicamente como se todo o corpo fosse tomado por um frisson, um tremular, um arrepiar, um revirar de olhos acompanhados de espasmos frenéticos...o desembestar de imagens me escraviza e não sei explicar ou tão pouco oferecer lógica aos seus olhos curiosos e ávidos por respostas pré-fabricadas, sem sentimento e sem vida...meu Avô conta histórias em que o rústico é de um fascínio indescritível e não perde sua beleza mesmo com o passar do tempo e das mão trêmulas de meu avô...passos lá fora...bebês choram...o silêncio me faz transcender...cama range sob o corpo pesado e sonolento de Eva...unhas sujas...fetos esmagados contra o ralo do banheiro da estação ferroviária...agora quase tudo é eco e repetição ensandecida...modelos de maiô negro atravessando a Avenida Paulista ao meio-dia...candelabros...e o sono se faz distante como quem não me deseja dar-me sonhos...unhas na pele suada...sorrisos...sombras...tosse...imponência...vozes na madrugada...dor...impertinência...agora tudo faz barulho demais...cuspidas na cara...ódio...tensão...pesadelos...corpo suado...acorda e dorme e acorda...torpor...Iemanjá repousa sublime e bela no quadro pendurado na parede, enquanto o motorista de madame e a copeira são flagrados, surpreendidos pela patroa num meio duma foda...bocejo, o sono vem chegando aos poucos, louca ampulheta de areia-infinita a bailar na minha abóbada craniana...
E faço da expressão retalhada meu subterfúgio de prata onde repouso cada pequena crisálida composta por volúpia como se o meu coração fosse um lençol de retalhos...garganta seca...negra numa contar uma parede branco-marfim...e os olhos resplandecem ao crepúsculo idílico da tétrica província...ladrão desajeitado provoca imenso barulho acordando a todos...cochichos...precaução...tv silenciosa falando mais alto em outras áreas cerebrais...agora deixo-me levar pela fadiga, deixo-me levar pelo sono e sempre não sei se bons sonhos me esperam...

03-1995ev
Regurgitar sonhos é ressuscitar velhos monstros, realidades fugidias e saborosas. O crepúsculo sorri alto e altivo em minha abóbada delírio. Novas veias enforcando velhas carótidas gordurentas e condenadas. E quero dar continuidade ao rio de palavras mas barreiras são erguidas e estancam a correnteza-fluídica-verbal que já estava tornando-se bela...
As fábulas vem aos poucos envolvendo, traduzindo alguns símbolos entre minhas mãos; e vejo-me diante de uma cerca há exatamente 11 anos atrás. O dia ia amanhecendo. Galos enormes corriam a destruir a plantação de milho. Eu contemplava a cerca. Os arames transmutavam-se em serpentes. O cheiro de carne assada era ouvido ao longe tala qual um grito de inconformação e agônica piedade. Três damas lavavam as vulvas ao redor do poço e riam bastante. O poço era perto mas as damas faziam questão de permanecerem longe. Corria pra casa e os espelhos de minha Mãe diziam para gritar e olhar pra mim mesmo e que após gritar e após reconhecer-me eu voltasse para brincar com as serpentes e distrair o grande galo de crista negra e unhas ônix e esporões de cristal. Eu corria de volta com medo das sombras pois já era noite e lá chegando nada mais encontrava do que tinha visto, apenas um vasto campo de trigo, uma poça de lama, céu nublado, uma foice solitária que brandia incansavelmente contra o trigo, estarrecido fiquei e senti ao longe o gargalhar irônico dos espelhos de minha Mãe, sapatos prateados que caminhavam em círculos sobre a poça de lama, echarpes verdes esfiapadas abraçando os flancos e erguendo-me como se flutuar fosse mais seguro do que estar no chão, enorme sorriso diáfano surgindo a 1 metro e 40 acima dos sapatos prateados dizendo em cada dente, pois cada dente uma boca, que ali eu poderia ter o que quisesse, que ali eram todos pantomima a minha disposição. E pensei numa árvore. Logos nasceu, cresceu, deu frutos e sombras para mim e senti-me tão diminuto. Deitei e degustei, engoli as estranhas frutas da árvore-sonho. Quis adormecer mas o imenso sorriso disse que adormecer por estas paragens é algo como apressar-se no nosso mundo real e intragável , é estragar, é terminar, é ter dó da realidade por está no reino onírico.
Remoer sonhos...lágrimas brotando da face esquálida...prelúdios de dor ao entardecer...nostalgia faz-me sentir que não soou daqui e nem dessa era mas tudo bem a saudade é linda, dolorosa e perfeita...ruminar fatos que para muito não tem importância é um ótimo alicerce para a fortaleza-delírio...mãos lânguidas a apaziguar a foice contra o trigo...agora todos os cânticos são executados tal qual um petardo desenfreado, aríete de não-sei-quantos-mils-desejos rumo ao peito aberto...Linda...Dolorosa...Perfeita...

03-1995tm

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Córregos, planícies, esverdejantes, montanhas...vacilos...pedaços que tento reconstruir antes que o esquecimento abocanhe...olhos tristes da cachorra parida...pego em mãos e corro, corro pra cima da montanha, chegando ao topo fico triste por não haver solidão, por ter pessoas...facão descendo na face desprotegida, retalha, corta mutila, esmaga...a mulher sem rosto salta para a morte mas ela voa, voa, as cicatrizes doem e sangram, ameaçam sorrisos os lábios retalhados...corro atrás dela, despenco no vazio e quase não paro de cair...córregos amarelo aqui, cinza ali, e a dama de cara-cicatriz-sangrenta tira as roupas, mergulha nas águas multicores do córrego, as roupas viram água, a água transmuta-se numa aquarela caótica de matizes foscos e agressivos...caleidoscópio...pipas de pele humana e linhas de fio de cabelo...bocas movendo-se muito rápido sem som...olhares oblíquos...do córrego avisto a montanha onde não há solidão, onde só há lâminas...agora o esquecimento reconstrói-se e reina absoluto...tento lembrar-me mas não consigo...sucessões repetitivas de slides numa sala com 45 laminas fluorescentes...os cheiros não trazem nada...imensos vergalhões, tábuas que se multiplicavam...arrotos...já é outro plano ou outro reino; anzóis nas orelhas...o regurgitar é lento e requer muita calma...meu Avô chorava pedindo morte sentando à beira do córrego que agora as águas eram azuis...inúmeras páginas em branco tomando o cenário, construindo um imenso nada...foi-me negada a extinção da sede...fui agraciado com o nascer de esparsos...totens rumo ao céu...

01-03-1995c
Cegueira...bocejo longamente...faço-me surdo ao som rútsico das ruas. A televisão tal qual uma boca escancarada vomitando, dizendo verdades silenciosas e intoleráveis...fechar os olhos é como se repentinamente estivesse no púlpito a contemplar o burburinho escatológico da cidade-ruína...e a cada palavra de louvor do débil enviado de Deus ali na esquina a onde a ilusão é tão inebriante e onírica quanto sonhar, quanto degustar ilusões; eu abro meus ouvidos e ele fala e reverbera e ora ao nada efervescente da balbúrdia dos dias de feriado...agora só escuridão e lembranças de sonho noir...paredes esmaltadas...sorrisos marmóreos e olhos saudosos na minha redoma de sonhos...vestidos negros com flores vermelhas...corpo lânguido...porcelana-serpente deita no sofá olhando-me de cabeça para baixo...mãos suando aos poucos vou me sentindo aliviado, talvez irresponsável por esquecer livros em lanchonetes...meu pé balança incansável por horas, a coleira em meu pé tilinta...os esgotos gotejam como umas imensas vulvas repletas de feridas...filhotes de cão ganindo na casa vazia de sonhos...risos, picardia, velhos poemas...agora filhote dormindo, revirando os olhos em deleite interlúdico...cada passo, cada gesto, cada olhar, retalham os slides na minha sala de esparsos, retalham;crianças espevitadas a queimarem páginas-vida...agora o Nada resolveu pairar sobre mim e repousar suas garras de ametista em meu hipotálamo. Canções rasgam impoluta e cirurgicamente as vísceras já cansadas dos ósculos fleumáticos da companheira...páginas virgens causam-me medo pois são um novo mergulhar em meus lagos, pois é, por enquanto não tenho oceanos, são um antigo lamurio nos lábios de minha Avó; prisões perfeitas...são um eterno desconhecer-se...crisálidas gélidas de película frágil e saborosa para alguns ermitões que habitam as arestas do meu abismo-carnal-ruína...

25-02-95c

sábado, 16 de janeiro de 2010

Todo dia é
É pergunta difícil
Muro liso
Intransponibilidade aconchegante

Repito a ladainha negativa
Não sei
Não sei
Sei não

Pior é
Ter um mistério
Andando
Pinicando no corpo

A ladainha ecoa
Percorre
Urtiga presa nos lábios
Praga certeira

Abismo doméstico
Emana desalento
Agüenta porra
Agüenta e cala

Minha janela
Minha cura
Minha berlinda
Minha chaga

Pétreo espero
Macambúzio encaro o dia
Sem querer aquiesço
Querendo afundo!

17-11-2009
Uma boca diz a verdade
Milhares de buracos na pele
Gritam vício
Querem o grito mais forte

Mas o que sobra
É inveja
Desolação
Eterna merda

Ver além
Sentir-se aqui
Incapaz
Trapo definido

Uma boca
Traduz carinho
A doença avança
Preciso da bengala mais ácida

Carniça rescende
Alcança o topo da escada
A vida avessa ao tempo
Degrau sim degrau, degrau não

Bolor envolve
Camadas a baixo
Revolve na amálgama da vida
Regurgita mundos

Impera a dor
De ser
De existir
De acordar

Ontem temi
Hoje temo mais
Pesadelo furtivo
Criança rota
Solte meu copo
Quero ir embora!

12-11-20
Descama-se a cabeça
Explicita a inglória presente
Calmo e resoluto
Banho-me em suor e sono

Sorte de quem tem fantasmas
Jamais padecerá
Da solidão úmida
E de quartos vazios

Afasta-se e cai
Rumoreja e sonha
Os objetos respondem
Silencio que resignifica

Aqui o erro
Bem aqui dentro
Mais um erro desastroso e belo
Ali a possibilidade de nada

Ouvir o mundo
Sentir as diatribes
Fechar-se mais
E nunca mais sair

15-01-2010
Perdi.
Fulo da vida, dizem que recomeço.
Uma frase aqui outra ali,
Quem sabe acolá.

A lembrança como um revés funéreo.
Trava mas não deixa de sair.
O verbo é um verme incansável e não cansa de estrebuchar.
Silêncio.
Saudade que rói as tripas.
Uma passa de luto.
Chuvisca.

Minha jornada é tosca e quase sem sentido.
Vazios insuportáveis.
Tempo reclamando.
Memória apagada.
Ganhei.
Pernas cansadas.
Impaciência atroz.
Secura sem fim.
Faz assim.
Não faz.
Pula.
Ponto final.
04-11-2009 – manhã