sábado, 29 de maio de 2010

Insólito. Letárgico. Profusão de lábios. Minhas palavras jorram quebradiças rumo às tuas cicatrizes. Leito empoeirado...cáustico...lençóis no varal...esgoto a céu aberto...sapatos brancos...resquícios nostálgicos desenhados, traçados, rasteiros e sem ordem sobre a toalha da mesa...melodrama...queixumes...promessas de ausência...a tela do cinema é rasgada...espelhos...impotência tatuada fazendo um fábrica de revés; imenso iceberg perdido no oceano-ânsia-atlântico...quebro jarros na parede, junto os cacos...colóquios áudio e visuais televisivos, ali, aqui, motores, pernilongos circulando ao redor da carne-sangue...jogadores de xadrez suicidas varando a madrugada...bêbado dando discurso sobre educação às nove horas da noite esgoelando, gritando, resfolegando numa discussão confusa a cuspir os passageiros, uns sorriem, outros reclamam, alguns baixam, encolhem-se tapando os ouvidos...agonia...cafeína...dedos diáfanos na tecla do piano...é sábado e vomito carne bovina junto com cerveja na calçada do colégio para esvaziar, para beber novamente, beber e rir, beber e sonhar, beber e iludir-se...e degusto cada palavra com deleite único e infinitesimal como se fosse croissant numa tarde segunda-feira, cada palavra-dor, cada palavra-escárnio, cada palavra-saudade com polidez cirúrgica e sofismática de um provador de vinhos caquéticos e alcoólatra; primeiro avassaladoramente a engolir e transbordar pelas bordas da boca, segundo cautelosamente sem dar muita atenção, terceiro desprezivelmente, calidamente a passear os olhos ao redor...bolsa de palha no canto da parede esburacada...cachorros latindo...flautas transversais flutuando nas teias de aranha do meu telhado...a sala é invadida por Brahms, Schubert, Bach...fotografias rasgadas...lábios grossos e apetitosos da vendedora de acarajé...ela vem e pousa em meu dedo sugando sangue, caçando, alimentando-se, subitamente aça vôo e pousa em meu joelho...a melodia evolui gradual e magicamente como se todo o corpo fosse tomado por um frisson, um tremular, um arrepiar, um revirar de olhos acompanhados de espasmos frenéticos...o desembestar de imagens me escraviza e não sei explicar ou tão pouco oferecer lógica aos seus olhos curiosos e ávidos por respostas pré-fabricadas, sem sentimento e sem vida...meu Avô conta histórias em que o rústico é de um fascínio indescritível e não perde sua beleza mesmo com o passar do tempo e das mão trêmulas de meu avô...passos lá fora...bebês choram...o silêncio me faz transcender...cama range sob o corpo pesado e sonolento de Eva...unhas sujas...fetos esmagados contra o ralo do banheiro da estação ferroviária...agora quase tudo é eco e repetição ensandecida...modelos de maiô negro atravessando a Avenida Paulista ao meio-dia...candelabros...e o sono se faz distante como quem não me deseja dar-me sonhos...unhas na pele suada...sorrisos...sombras...tosse...imponência...vozes na madrugada...dor...impertinência...agora tudo faz barulho demais...cuspidas na cara...ódio...tensão...pesadelos...corpo suado...acorda e dorme e acorda...torpor...Iemanjá repousa sublime e bela no quadro pendurado na parede, enquanto o motorista de madame e a copeira são flagrados, surpreendidos pela patroa num meio duma foda...bocejo, o sono vem chegando aos poucos, louca ampulheta de areia-infinita a bailar na minha abóbada craniana...
E faço da expressão retalhada meu subterfúgio de prata onde repouso cada pequena crisálida composta por volúpia como se o meu coração fosse um lençol de retalhos...garganta seca...negra numa contar uma parede branco-marfim...e os olhos resplandecem ao crepúsculo idílico da tétrica província...ladrão desajeitado provoca imenso barulho acordando a todos...cochichos...precaução...tv silenciosa falando mais alto em outras áreas cerebrais...agora deixo-me levar pela fadiga, deixo-me levar pelo sono e sempre não sei se bons sonhos me esperam...

03-1995ev

Nenhum comentário: