quinta-feira, 27 de maio de 2010

Cegueira...bocejo longamente...faço-me surdo ao som rútsico das ruas. A televisão tal qual uma boca escancarada vomitando, dizendo verdades silenciosas e intoleráveis...fechar os olhos é como se repentinamente estivesse no púlpito a contemplar o burburinho escatológico da cidade-ruína...e a cada palavra de louvor do débil enviado de Deus ali na esquina a onde a ilusão é tão inebriante e onírica quanto sonhar, quanto degustar ilusões; eu abro meus ouvidos e ele fala e reverbera e ora ao nada efervescente da balbúrdia dos dias de feriado...agora só escuridão e lembranças de sonho noir...paredes esmaltadas...sorrisos marmóreos e olhos saudosos na minha redoma de sonhos...vestidos negros com flores vermelhas...corpo lânguido...porcelana-serpente deita no sofá olhando-me de cabeça para baixo...mãos suando aos poucos vou me sentindo aliviado, talvez irresponsável por esquecer livros em lanchonetes...meu pé balança incansável por horas, a coleira em meu pé tilinta...os esgotos gotejam como umas imensas vulvas repletas de feridas...filhotes de cão ganindo na casa vazia de sonhos...risos, picardia, velhos poemas...agora filhote dormindo, revirando os olhos em deleite interlúdico...cada passo, cada gesto, cada olhar, retalham os slides na minha sala de esparsos, retalham;crianças espevitadas a queimarem páginas-vida...agora o Nada resolveu pairar sobre mim e repousar suas garras de ametista em meu hipotálamo. Canções rasgam impoluta e cirurgicamente as vísceras já cansadas dos ósculos fleumáticos da companheira...páginas virgens causam-me medo pois são um novo mergulhar em meus lagos, pois é, por enquanto não tenho oceanos, são um antigo lamurio nos lábios de minha Avó; prisões perfeitas...são um eterno desconhecer-se...crisálidas gélidas de película frágil e saborosa para alguns ermitões que habitam as arestas do meu abismo-carnal-ruína...

25-02-95c

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