sábado, 29 de maio de 2010

Regurgitar sonhos é ressuscitar velhos monstros, realidades fugidias e saborosas. O crepúsculo sorri alto e altivo em minha abóbada delírio. Novas veias enforcando velhas carótidas gordurentas e condenadas. E quero dar continuidade ao rio de palavras mas barreiras são erguidas e estancam a correnteza-fluídica-verbal que já estava tornando-se bela...
As fábulas vem aos poucos envolvendo, traduzindo alguns símbolos entre minhas mãos; e vejo-me diante de uma cerca há exatamente 11 anos atrás. O dia ia amanhecendo. Galos enormes corriam a destruir a plantação de milho. Eu contemplava a cerca. Os arames transmutavam-se em serpentes. O cheiro de carne assada era ouvido ao longe tala qual um grito de inconformação e agônica piedade. Três damas lavavam as vulvas ao redor do poço e riam bastante. O poço era perto mas as damas faziam questão de permanecerem longe. Corria pra casa e os espelhos de minha Mãe diziam para gritar e olhar pra mim mesmo e que após gritar e após reconhecer-me eu voltasse para brincar com as serpentes e distrair o grande galo de crista negra e unhas ônix e esporões de cristal. Eu corria de volta com medo das sombras pois já era noite e lá chegando nada mais encontrava do que tinha visto, apenas um vasto campo de trigo, uma poça de lama, céu nublado, uma foice solitária que brandia incansavelmente contra o trigo, estarrecido fiquei e senti ao longe o gargalhar irônico dos espelhos de minha Mãe, sapatos prateados que caminhavam em círculos sobre a poça de lama, echarpes verdes esfiapadas abraçando os flancos e erguendo-me como se flutuar fosse mais seguro do que estar no chão, enorme sorriso diáfano surgindo a 1 metro e 40 acima dos sapatos prateados dizendo em cada dente, pois cada dente uma boca, que ali eu poderia ter o que quisesse, que ali eram todos pantomima a minha disposição. E pensei numa árvore. Logos nasceu, cresceu, deu frutos e sombras para mim e senti-me tão diminuto. Deitei e degustei, engoli as estranhas frutas da árvore-sonho. Quis adormecer mas o imenso sorriso disse que adormecer por estas paragens é algo como apressar-se no nosso mundo real e intragável , é estragar, é terminar, é ter dó da realidade por está no reino onírico.
Remoer sonhos...lágrimas brotando da face esquálida...prelúdios de dor ao entardecer...nostalgia faz-me sentir que não soou daqui e nem dessa era mas tudo bem a saudade é linda, dolorosa e perfeita...ruminar fatos que para muito não tem importância é um ótimo alicerce para a fortaleza-delírio...mãos lânguidas a apaziguar a foice contra o trigo...agora todos os cânticos são executados tal qual um petardo desenfreado, aríete de não-sei-quantos-mils-desejos rumo ao peito aberto...Linda...Dolorosa...Perfeita...

03-1995tm

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