segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Este é o mês das condolências. Corações repletos de ternura. Néons piscando incansavelmente. Mensagens de fraternidade. Uma leva de seres iludidos numa hipnose de cores fortes. Natal sempre me deprime. Lembro de me sentir profundamente sufocado com o arroubo dos parentes chegando. Eu do alto de minha inocência quase morta querendo que acabasse o mais rápido possível. Que as portas se fechassem e o sono chegasse para tranqüilizar. Tudo é muito vago, imagem turva perdendo-se no labirinto da memória. São fatos para mim sem nenhuma relevância. Papel mofado. Amigo falso. Trapos revoluteando até sumirem. Ilusão nefasta. Covardia. Minha avó comprava “o forte apache”; cavalos, índios, cowboys, carruagens, e areia do agreste nordestino ajudava a compor o cenário ideal para lutas, conquistas, derrotas e tudo o mais que a maravilhosa insanidade da infância pôde proporcionar.
Hoje fujo de toda esta balbúrdia. Ás vezes um garrafa de vinho barato, discos na vitrola no último volume, revistas velhas de um tempo em que havia pentelhos nas modelos e algo terrivelmente gorduroso para acompanhar. É impossível engolir a hipocrisia. Sorrisos mostrando recentes visitas ao dentista. Orgulho em mostrar a roupa limpa mesmo sendo falsa. E o pior são os presentes; eletrodomésticos, colares, fôrmas de bolo, camisas regatas garimpadas nas mais obscuras das promoções, carteiras portas-cédula, mas o pior mesmo são as bijouterias dadas com tanto fervor e carinho que parecem mesmo serem verdadeiras jóias, a lista dos horrores é de uma imensidão que encontraria o caminho do cemitério e não chegaria ao fim.
26 de dezembro de 2005, um dia após toda a bazófia, daqui uns dias e mais um ciclo recomeça. Já não agüento mais a profusão de propagandas, roupas brancas, garrafas de champanhe barato, sorrisos esmaltados. Minha avó enfeita com tiras brancas e amarelas o retrato de minha bisavó, como se estivesse conversando com ela carinhosamente. Estranha ternura. Sensação de profundo fracasso. O tempo rápido de demais. O músculo que comanda as correntezas estrebucha anunciando o provável fim. A criança desliga–se do mundo alienada em um novo brinquedo que aprisiona pedaços do real. A carruagem repleta de ilusões já sumiu no horizonte. Mais um dia. Menos vida. Cinco dias para uma efusão de promessas: “Juro que não como mais gordura.” “ Beberei socialmente e nada mais.” “Quebro meu cartão de crédito.” “ Dessa vez paro de fumar.” Enfim balelas e nada mais.
3 décadas e seis meses. Quente como um forno a província rasteja. A decoração de fim de ano é uma das coisas mais deprimentes que acontecem por aqui. Pobre em detalhes. Até parece reaproveitamento da decoração do ano passado. 30 anos e aqui estou enterrado num buraco no fim do mundo. A árvore de natal de 83 metros pisca radiante para as janelas dos arranha-céus. Famílias paupérrimas acampam debaixo de uma ponte que dá acesso ao um bairro de classe-média da cidade. As lojas vociferam tonitroantes refrões hipnóticos. Enorme cansaço. Fodam-se todos e feliz ano-novo!
Entrego os pontos... dissimulo a vida em mínimos atos... na escuridão apenas o perigo... dependuro-me na linha do horizonte... cada amanhecer um certificado de que o caminho verdadeiro é pura solidão... o sol ferve os miolos... otimismo, esperança destroçam meus nervos... espero que o sangue esfrie... pra quê serve a convicção?... renego o que os sonhos tentam me dizer... giro a maçaneta... sou hipnotizado por imagens corriqueiras esplendidamente novas... afundo-me na merda... acato a miséria... sinto o descontrole tal qual uma nuvem de gafanhotos famintos... aquele amanheceu de cara na pedra... outro vomita no ônibus... tudo é simultâneo... o mundo é uma piada séria... do alto do morro vejo chamas tremulando a beira-mar... parece nascer um vórtice de medo em minhas entranhas... sempre é isto de ir e não mais voltar... aranhas despencam dos quadros ... são quatro paredes sujas que me acompanham há doze anos... abro a panela: vazia... abro a carteira: nada...aos poucos vou me esvaziando-me... roupas no chão... a roda gira numa harmonia inversa... ferrugem... cansaço... a estrovenga passa próximo ao calcanhar e como era alvo, luzidio o gume dela... e nas inúmeras páginas de minha memória os ícones, arquétipos vão sumindo engolidos pelo tempo... quanta confusão... a primeira palavra da manhã é: peste... tudo bem?... entrei numa crisálida em que mal posso respirar...
E sob o olhar gélido de uma musa de bronze
Minha alma toma aspectos e sensações inimagináveis
Caminha claudicante a trilha insondável
Do eterno conhecer sem saber sobre qualquer coisa

Agora que a luz natural se finda
Num último giro universal,
Adormeço entre as pilastras alquebradas da reclusão
Onde o corpo repousa banhado de oníricas vibrações

Revolvo-me, luto, temo e não acordo
Pois acordar é entregar-se ao calcitrante pesar
De estar onde é impossível inexistir;
A utopia tornou-se inutilidade antes do dia morrer

Outrora minha voz não era minha essência
Por estar muito entrelaçada com o tosco exterior
Contaminando-me, adoecendo-me, enfraquecendo-me;
Sim! Fecho as portas mesmo deixando-as abertas

Quiçá um dia a luz perfure–me os olhos
Pilhando-me da alcova cinza do sonho
Cultivarei o esquecimento como melhor providência
E a saudade como eterna inspiração...
E lembrar o que sonhou?... fetiches de ilusão suprema... é desconcertante quando acordo... imagens derretem, deslizam por todo o corpo... o manto da morte arremessa todos no mais profundo esquecimento... a língua ácida do verão chega queimando tudo... e lembrar do que prometeu?... vingança... este que escreve não é simplesmente que se é... imagem sumindo no espelho... carne cicatrizando... língua vibra no ar... perna que treme... honra apodrecendo... ninguém escuta velhas palavras... tudo é desinteresse... mormente locomovo-me até a geladeira e sorvo em tedioso frenesi goles de água suja... um anfíbio saltita da cozinha até a sala... onde estão as razões para tudo?... cave um buraco... seja benigno... o sucesso será tua recompensa... 7 chaves para tudo mudar... 7 feridas pra serem cuidadas com carinho... 7 dias que são um enorme torpor... porquê as paredes do labirinto não param de se reproduzir?... dentro da fantasmagoria que é o espelho os bonecos de minha pantomima movem-se com a graciosidade de leprosos, velhos e aleijados... embaçado... a palavra que me toma é tosca... adormeço no pó da minha sala repleta de velharias... inutilizado e com temor de não acordar vou ao mundo que não é mundo pra tentar suportar este que me tortura... lembro de que não esqueci nenhuma folha em branco... lembro?
É ledo engano tudo aquilo que você pensa sincero... a hipocrisia é linda, amarga e suja... coração explode rumo ao fim... linda lâmina flutua na noite... falsos bruxos... é pura verdade toda essa turba... eu ainda me engano, ainda acredito em tudo... ah! e por debaixo da pele é só doença, uma ode ao perecimento... amanhece, o peso das horas me faz lânguido... vejo o sol lutando contra as nuvens... uns tagarelam o tempo inteiro... de olhos féchados mergulho em doce bruma... recolho as peças do jogo... sopro a poeira do velho disco de vinil... é pavoroso o existir... são tantas as variantes que me sinto perdido... repúdio... músculos doem... não sei o que me espera... acalanto... velhas fórmulas... repete-se de maneira enigmática as páginas da vida... sussurros... hoje apenas ouvi a turba... saudades da feira... há tempos não recebo notícias... quero uma dádiva no fim de tarde daquela que é a mais linda... ilusão... tento limpar o espelho antigo quase carcomido... tolice... preciso tornar-me húmus para que os vermes da criação passeiem em minha moribunda carcaça e novamente a vida a explodir multicor e atordoante... não sei o que está acontecendo, nem o que vai acontecer... a tela me espera vazia como uma virgem de pernas abertas... é verdadeira utopia a mais pura verdade...

Novembro - 2004
Domingo, 17 de dezembro de 2006

Vejo... sussurro no vazio da noite... espreito o perigo... trago nas mãos sangue, não sei de onde, não sei de quem, não sei como... o ritmo aumenta... sem inspiração insisto... arrependimento... tenho que solucionar de vez este calvário que a minha vida se tornou... sem vontade, sem opinião, mera peça de um jogo, nunca decido, nunca sou ouvido... onde é o meu lugar nesta porcaria de mundo? Onde procurar o caminho certo? Obedeço ou não essas vozes lindas em minha cabeça? Até quando vagar tal qual um zumbi?... meus bolsos vazios imploram por uma arma... débil mental... minha avó diz “ Vou embora com 2006 ”, eu escuto e ignoro... aqui o legado é pura merda... pássaro pousa no fio, estrebucha e cai morto... agora queria todas as lembranças da minha vida, todas sem exceção... sol se pondo e eu sei que você está aí em qualquer lugar perdida no espaço fantasmagórico da inteligência... sem regras... sonhos perdidos... leve meus segredos pra longe daqui pois já não os tenho... o tempo massacra... nem o sei o dia de ter tido um momento de tranquilidade... nem a mesa de bar alivia-me mais... cansei dos discos.. música invadindo tudo... lágrima represada... coceira... olhar ensadecido... preciso de pílulas... aqui no sofá enojo-me deste ócio, desta atmosfera de consumo insuportável, a maldição da propriedade piorando minha condição... os nervos do braço avisam com dores finas e formigamentos que algo não vai bem... o dia passa rápido... as pessoas vagam sorridentes na fantasia mínima do fim de semana... a criança chora... esqueço coisas... canso de pedir e não ser atendido... sinto o fio da lâmina na ponta do dedo... motor ronca... guardanapo... gato esmagado no asfalto... saudade... a porta abre e sou intimidado a sair de onde estou... não entendo as pessoas... silêncio... coço a cabeça... e lá vou mais uma vez pelo pântano... coço a virilha... perdendo a forma... palavra esvaindo-se... faça isso, faça aquilo... limpe, sorria e limpe de novo... crise... este sou eu falando comigo mesmo numa maré de erros e tem cuspe no meu espelho, nojo... boneca desmembrada dentro do guarda roupa... vergonha... todos os dias são alfinetadas... desespero... a matraca repete incansavelmente a ladainha de todos os dias... luta... domesticidade castrante... frustração ergonômica... desvio os olhos da desgraça... ali na janela algo interessante... sou puxado de volta pra minha ruína... o mundo me espera... não consigo me mover... atire logo bem no meio da testa, elimine de vez, acabe com esta agonia insuportável de estar e não ser, de ser e não sentir, de ter e não servir pra nada... sou um homem de poucos atributos... grito na noite fria que se inicia... o gatilho falha, despenco em meu leito num sono profundo isento de sonhos a espera de um dia que eu não desejo ver... agora é o momento final, agora onde tudo é expiado, justamente agora me calo e deixo o silêncio responder por mim...
Dobro a esquina... a cortina se abre... folha seca, já cinza no chão esburacado... a lombra agora é um peso... o frio machuca... às vezes não entendo a vida... você acorda: a traição rouba-lhe um beijo nas primeiras horas da manhã... você almoça: o azar vem e lhe recita poemas... tudo no momento é uma nuvem esquisita... jubartes mortas à beira-mar... a agonia torna-se um frisson... engulo todas as tralhas e durmo... estranha velocidade... outro dia... as unhas gélidas do inverno castigam de pele... você janta; a miséria vem e arrota em tua face límpida o hálito da fome... outra manhã... anéis no chão... hoje saio da alcova... um olho vislumbra o passado em cores e sensações que parecem um sonho... o outro olho contempla o futuro em tela virginal branca onde surgem e desaparecem imagens intraduzíveis pro aqui presente... você se prepara para o sono; a loucura ronda impaciente ansiosa para tomar-lhe nos braços... farelos na mesa... uma família se estilhaça... moscas se refestelam numa minúscula poça de café... tento aquietar-me... o mundo urge e vibra velocidade constante... o mundo que sou dorme e quer mais letargia o tempo inteiro... você levanta-se na madrugada para urinar; a dúvida vem acariciar tua genitália como se fosse um sonho... lá fora as máquinas se movem rumo ao trabalho... bocejo e nada acontece...

9/10 – 8 - 2004
Cuidado diante das armadilhas da vida... fantasmas sussurram melodias fascinantes... minha avó joga sementes num canto do quintal, dias depois, constato a força da natureza rompendo barreiras rumo ao sol... e uma imagem me persegue... o real é um fotograma do sonho... doença, cansaço, esquecimento... vermes rastejam sob a pele... nunca mais ressaca... quebre o vidro e respire!... esta redoma não comporta, não produz mais nenhuma novidade... perguntas vazias, tolas palavras... ontem saudade absurda do inferno mais lindo do mundo... hoje pequenas agulhas perfuram de dentro pra fora... a tv devora-me lentamente... caos, caos, caos... quisera um momento de lucidez... beijei a morte na superfície de vidro... risos amarelos... sangue... a tinta gruda nas mãos... calor, forno, vulcão... aos poucos a terra nua fenece... na convulsão dos dias engulo tudo aquilo que não gosto... nervos doem... sem glamour... tenho medo da minha fraqueza... asco... irrealidade... os cacos são cada vez mais diminutos, quase imperceptíveis... urina de gato incensando o antro mofado repleto de tralhas... vazio... insosso... tedioso... cada semente plantada é devorada com avidez por vermes...não tenho planos... ontem cama, páginas, solidão e uma confusão quase pacífica pertubando tudo... lá fora uma melodia do passado... aqui, nada!

Julho - 2005
Coisas se entrelaçam... nós e tantas histórias... aqui e agora... preciso de vida... refugo... gasolina... cansei do mofo... cansei da alegria... brinquedo... regras... penso e não faço... chá quente... úlcera... amigos mortos... rasgo a realidade... a pele sofre... ganho mais uma cicatriz... impaciência... grande fenda vermelha, lambo as paredes, meio doce, meio azedo, paredes macias, vivas e fortes e mergulho debatendo-me até alcançar a paz... calor... barata morta... onde está o poder?... são tantos os desejos... sub-realidades.... vermes cantando vitória dentro de nós... deito e tento esquecer... a palavra foge... as cabeças latejam... pensamento... pulso... formigas em busca do açúcar... falso... macabro... lindo... irreal... roupas velhas... flashes homicidas impregnam minha mente em milésimos de segundos, não sei até quando vou agüentar... o passado não pára de me atormentar... nada vinga nas paredes gélidas da província... sou apenas um velho caminhando para o fim... a roda gira... a sorte esvazia a geladeira, caga no meio da sala, arranha meus discos, planta em meus flancos a discórdia e vai embora... novo ritmo... o tempo é carne... as horas são rugas... toda palavra é não... cavo a terra seca... desespero... cavo a pele úmida... fulgor... bebo o meu suor... solidão... onde está o déspota benigno que é o melhor para todos?... desculpe se não acredito mais em nada... vou a um exame para a escravidão... morte... ser o que não se é e sentir felicidade...
Levantou e
religiosamente pegou da garrafa de gim.
Tomou um bom gole.
Sentia como se um elixir de vida invadisse o corpo.

Coçou o saco,
escarafunchou o nariz.

O torpor de ontem se confundia
com a ressaca de hoje.
Pegou a toalha quase podre.
O sabonete era um resto de semanas atrás.

Calor demais.
Às vezes feliz em minha solidão... abriram a porteira, os vermes voltam pra casa... o que salva é o sangue, mesmo podre... sempre interrogações sem respostas... enormes olhos castanhos debruçam sobre mim... às vezes nada... velhas canções de folclore devoram o resto de alegria, arremessando-me à uma dimensão de indelével tristeza... diante de um vazio inexorável sinto a ruína comichando... não sinto nada... dores no peito... minhas córneas já estão cansadas... hoje descobri uma imperfeição... a energia incontrolável dos filhotes ainda é o que resta de beleza... perco rumo, aliás, o rumo me perde, foge de mim... talvez esteja longe daqui quando menos esperarem... urina, fezes, vômito... não há mais paz, só vozes estridentes... aviltado diariamente... desolação... todos dão um passo... recuso-me ao real... exterco oferecido na tv... parece que a beleza esvaiu-se de tudo... será válida toda essa luta em prol da vida?... quando fecho os olhos, estradas, vales deslumbrantes, ravinas, montanhas, rios, banhos de chuva, sono ao relento, longe de tudo, perto de si... vença ou morra... quisera as dádivas de um momento tranqüilo... reina em mim um desânimo incrível... sinto a morte cada vez mais próxima... a felicidade é transmitida de maneira doce, suave e ilusória... agarro-me a fiapos... dou murro em ponta de faca... não sei o que fazer.

16-11-2004
Arma-se o palco... latrinas ao vento...pernilongos fustigam... ela não acredita mais... quero uma dose de café... aqueles que acreditam nada fazem por mim... as faces assustadas das crianças da Chechênia desperta ódio... distraio-me... o tempo passa... percebo a derrota iminente...estranhamente sinto-me calmo... mudo canais... ouço a vida lá fora... estaca zero... tenho mais dez anos de vida e mais nada... o fútil na tela, o tolo na eterna espera, a bazófia na esquina, a angústia aqui pulsando no peito... o sono chega... num piscar de olhos chega o dia... frente-a-frente com a desgraça... engulo um pedaço de aço... músculos extenuados... a língua ribomba e não dá jeito em nada... a doença é o final para todos... dor, morte e vida se confundem nas primeiras horas do dia... o corpo tomado por leve apatia insiste em dormir... langor... pesadelos, rupturas, pavor, crise... o cavalo da minha desbraga sertão a fora sem brida, pura energia em meio ao nada... o novo sempre mais distante... são tantas imagens, uma torrente pulsante que me cega por completo... um livro, um passo, uma página, outro olho que se abre... a palavra transmuta quimeras, ilumina antros de profundas escuridão... todo o momento cada vez mais perto do fim... todo o dia um trampolim apontando para o vazio... o anzol volta vazio... fico quieto...
Antes de tudo tenho uma missão... destravo todos os mecanismos... insisto em sobreviver no tédio... amigos longe... daqui contemplo a montanha, impressiona a majestosidade... esqueço o quanto sou frágil... deixo muita coisa para trás... corro como um tresloucado, alguém me chama, quando me viro um tijolo com resto de reboco choca-se contra minha face, não sinto nada, apenas um clarão, e um pirralho de bermuda vermelha sorrindo da pancada... na manhã de segunda-feira levanto tomado por extrema fadiga, rego o pequeno idílio de plantas medicinais e outras que não sei... não queria pensar nessa merda que o mundo se tornou... tento melhorar minha vida mas revela-se inútil... o antro é pura imundície... doces canções para suportar... todas as noites tento um mundo de fantasia... formiga na tela... o labirinto é cruel... calmamente sigo... penso entender mensagens subliminares em tudo... tenho certeza que não estou louco... tenho milhões de certezas que não servem para nada... o vórtice de lama é cada vez mais forte... o espelho velho merece ser quebrado... despejo minha ira em qualquer coisa... ontem tive medo de dormir só... olho o céu e não entendo uma beleza tão devastadora... animais dormem no sofá, animais regurgitam na privada, animais dançam na tela, animais passeiam com outros animais... na gélida sala de cinema afundo-me em doce contemplação... e dentro da realidade fundem-se mil realidades intraduzíveis... todo dia é uma nova morte... bocejo ... sinto travar tudo... espero que tudo acabe bem... estou só e não estou... faltam apenas alguns milhares de dias para que tudo acabe... odeio fim de ano... sempre acontece merda... féretro... a noite desce numa suavidade deliciosa... coroa de flores... amanhã é meu aniversário de qualquer coisa... animais gritam na sala.
Amanhece... inicio a perda de mais um dia... o gato dorme profundamente no sofá... da janela do ônibus vi Ferreira Gullar caminhando em Copacabana... porquê a velocidade das coisas? Tento ser lento... na beira do abismo que é a consciência arremesso minha linha, passam-se eras e eras e nada... lá fora o sol é engolido por uma nuvem... e num quarto desfaço nós um atrás do outro... se a minha vida fosse um sonho não queria acordar... copo vazio debaixo da cama... sou um péssimo negociador, nasci para o deleite contemplativo... bala... foice.. martelo... dinheiro... M16... AR15... HK... sinto saudade das madrugadas repletas de saraivadas, enxames de abelhas fumegantes cruzando o firmamento... Joan Baez acalenta a lama nas primeiras horas do dia... uma nova porta se abre... pés de chumbo... minha loucura me basta... a fome mais uma vez atormenta... as portas se fecham... a significação das coisas vai sumindo... um peido pela manhã quase em jejum me faz lembrar Jean Genet... viola... guitarra... berro... drummor... baixo... distorção... começa ontem termina hoje termina ontem começa hoje... escalo meu abismo com furor mas o buraco lá embaixo clama minha queda... bocejo... ali a latrina me espera... bichanos miam na manhã de quinta-feira...fuligem... nervoso... sobrevivo não sei como... minha bisavó tece um fio eternamente na parede da sala... sem identidade... todos engolidos pela morte...
A todo instante penso que alguma coisa vai parar... com uma foice em punho caminho pela casa de paredes sujas... deparo-me com um adolescente sem rosto... não há diálogos... tremo que nem vara verde... as mãos pingam... desfiro o primeiro golpe... o moleque tomba... fome muita fome... lambo o gume da foice... a cabeça de um lado, corpo de outro... novo golpe e agora separa o tronco... meto a mão nas vísceras ainda quentes... sede muita sede... totalmente descontrolado arranco os braços, as pernas... e danço na poça de sangue respingando vermelho nas paredes de pau-a-pique... banhado pelo que restou do outro abro uma porta de um quarto escuro, entro e é como se nada tivesse acontecido... todos os dias retorno pro meu leito de solteiro... quisera não retornar, sempre ir sem saber onde chegar... todos os dias é viver o pesadelo da monotonia... ouço os velhos discos com sangue de outro ainda nas mãos... aprecio os coágulos na lâmina... urge a morte em meu peito... nada é sério... quando falo é a minha voz? Quando penso é a minha consciência? Quando acordo não estarei acostumado ao pesadelo ao ponto de pensar que aqui é o real? Tudo são retalhos desconexos... ejaculo no vazio para que o sono venha logo... hoje a lâmina descansa... amanhã talvez eu não saia do quarto escuro... amanhã talvez seja tudo escuro...
A luz incide sobre a planície... na tela luminosa o passado se repete... a prostituta de rosto angelical não me reconhece, depois sorri, resgatando meu registro de sua profundezas... fecho portas e janelas... e num outro dia tenho a impressão de que a vida é um quebra-cabeças desmontando-se... a tarde de domingo é de brisa afável, garotas vestidas de rosa-shock e lambuzando-se com sorvetes servidos em copinhos de plásticos...ali na esquina o inferninho vibra... o aleijado passeia sorridente em cima de um skate, usando a mão como alavanca impulsora... catarro vibra quando tusso... o povo pulsa pelas veias da cidade no crepúsculo que se anuncia... qual é a minha missão?... minha única arma é contemplar... o silêncio aumenta ao meu redor...tenho sensações apavorantes... a criança olha-me com curiosidade, a criança vai embora sem que eu corresponda... pipas dançam no ar... monóxido de carbono... num momento ao abrir a primeira página sinto a mixórdia de cores do contato inicial, dias depois mesmo sem ter a intimidade necessária, julgo a obra lenta, tediosa e penso em abandonar a leitura... o cego repete o seu mantra com voz de contralto “dai-me uma esmola, dai-me uma esmola “, mas ninguém escuta... será que não há nada melhor que a raça humana?... não acredito em você, não acredito em mim, não acredito em porra nenhuma... paranóia... zombaria... outdoors gritam forte dentro de minha cabeça...
A cada passo parece que qualquer coisa vai estourar... nas antagonias que compõe a vida vou despedaçando o resto do cacos... meu bichano preto e branco alisa meu coração num sonho... sinto-me só... apenas a doença e eu... quase entrego os pontos... castração profunda... o verme da angústia lambe meus pés, nada numa poça de pus em minha coxa... leio histórias deliciosamente horríveis... a manhã explode multicor... pulmões morrendo... catarro perene... gosto de sangue... tudo é um louco diálogo para não pirar... cheiro de café... na noite de segunda-feira lágrimas aos olhos... longe muito longe... uma mão invisível aperta-me o peito... são tantas as cobranças... meu reino já nasceu falido... daqui debaixo lembro da beleza de contemplar a província do alto da montanha... coração enfraquecido... sempre revolvo as tralhas... revistas... livros... fotos... colares... fitas... discos... uma a uma as gavetas são esvaziadas... vísceras sem sangue... ali a vida, aqui a vida que se esvai lentamente... estranha sonolência... há 38 anos atrás um recém-nascido lutava contra formigas... fecho os olhos, a escuridão parece confortável... luto contra a apatia... desço a escada, tenho a impressão de que é interminável... levanto-me, vejo o sol surgir... sobre o rio contemplo as nuvens... enigmáticas formas... uma parte quer dormir... a outra quer vibrar...
Vão-se as horas na comédia da vida... o trem não pára... e o futuro?... saber é irremediável... cai o véu... traço no escuro... toda maravilha é ontem... hoje é recomeçar, o que fica pra trás é pó desaparecendo na linha do horizonte... osso ruído... películas de realidade... de olhos vendados sinto como jamais senti... vem mais um dia... silêncio... lâmina trabalha lentamente... um momento, um minuto... o valor de tudo se esvai... longas correntes... a noite me espera com entranhas macias... ontem a lua pairava em rara beleza... somos sozinhos... somos uma grande e inverossímil piada... sem lastro, sem vida, ausente de valor... menos que um pária... verdadeira lástima... criança espúria... não nasci em lugar nenhum... cada vez mais as lembranças tornam-se insignificantes... janelas que não quero mais abrir... pequena menina branca de gestos carinhosos tem medo de tomar banho sozinha... todos os dias nos últimos três anos, estranhas vozes me dizem, que posso vomitar, desenhar, que minhas mãos vão além do que já são.... o sono puxa-me para o fundo do poço... já passa da meia-noite e as portas e as janelas ainda estão abertas... agora que o cadafalso desce numa velocidade vertiginosamente, imagens vem e me beliscam, cospem, arrancam as cascas de suas feridas diante de mim... você é o que é.

Domingo 27-11-2004
Tenso. Equilibro-me no delicado mundo real. Cada vez é pior. Sinto as tripas arderem. Percebo que as coisas não estão como deveriam. De uns dias pra cá tudo desmoronando. Imensa fragilidade. Aqui com o copo na mão escuto a conversa mole de um transeunte. O mesmo lero-lero de sempre. Sinto vontade de vomitar. Pressinto que a ressaca será dantesca. Engulo a dose de conhaque barato rápido. As tripas ardem mais. O sol castiga impiedosamente. Suo frio. O estômago dói como se tivesse uma gilete passeando cada vez mais no fundo, cada vez mais rápido. Mordo os lábios num misto de dor e inexplicável prazer. O trautear do relógio me pertuba.O tempo não passa. Não agüento mais o balcão, trôpego dirijo-me à mesa. O raciocínio indo embora. A música horrível me faz pedir outra dose, porém de cachaça. Agora só bebo devagar. Daqui desta berlinda de ferro ouço a algaravia das outras mesa: “Eu mato aquela puta, juro por tudo, não vai sobrar nada.” “Ai gatinha vamo nessa que eu tô fissurado nessa buça.” “ Ei rapá essa breja tá quente pra caralho.” Lá fora o sol indo. Não lembro o dia que tenha comido de verdade. Esqueci o sabor de quase tudo. Só memória visual. Não sei onde isto tudo vai dar. Difícil é lembrar como chego em casa. Mesmo cego nunca erro o caminho. O sol ameaça se pôr. Peço a última dose. Engulo de um gole só. Peço outra. Nova porrada. Tonto saio sem rumo definido. Mal viro a esquina e o ventre estrebucha, ânsia de vômito, penso nas últimas doses sorvidas com tanto deleite, respiro fundo, consigo controlar a máquina já arruinada. A cabeça parece que vai explodir. Recomponho-me como posso. Tento caminhar. O gosto indefinível de bílis angustia-me. As pessoas ao redor olham com espanto. Até parece que nunca viram um bêbado. Outras reclamam do meu cheiro. No ponto de ônibus afastam-se de mim. Em profundo alheiamento constato minha total decadência antes das 18:00 hrs. No ônibus sento nos degraus e recomeço a luta contra o Sr. Vômito. Respiro com dificuldade. Cada um que passa pedindo passagem solta um refrão: “Coitado deste aí”. “Vagabundo”. “Jesus te ama”. Nem reajo, afasto-me desajeitado. O hábito avisa que chega o ponto de descida, quase sou chutado. Um moleque cantarola “beber até morrer...”, mando ele à merda com um sorriso nos lábios. Dirijo-me à Praça da Catedral. Antes vou a padaria tomo um copo de café puro. A ânsia de vômito dá uma trégua. Suor desce das tempôras. Vou à banca de revista. Não consigo prestar atenção em nada por muito tempo. Mais uma vez no balcão. Tento disfarçar a fome com uma cerveja. O cara no teclado berrando Carlos Alexandre é insuportável. A cerveja acaba. Peço um torresmo. Parece que tem dez dias. Engulo com dificuldade. Peço mais uma. O garçom atende cansado como se a vida dele tivesse acabado. Não deixo ele me servir. Encho o copo e engulo o líquido dourado até o gosto do torresmo desaparecer. Quase cego levanto-me sem pagar a conta, o garçom vem até a mim, escrutino os bolsos, acho moedas e alguns trocados amassados, peço que conte, minhas mãos trêmulas não me permitem. Pago e vou a escadaria, sinto a brisa, olho pra cima, não consigo ver nada, alguém grita “10:30”. Agradeço e sento-me contemplando as árvores. Hoje os degraus da velha alcova estão vazios. Cada árvore parece querer estabelecer um diálogo. Em pensamento digo-lhes que não estou pra conversa. O tempo voa. Quando tento olhar as horas um passa e diz ‘quinze pra meia-noite’. Respiro tomado por uma ânsia horrível. Tudo embaçado. A bexiga revela-se um oceano de cerveja, cachaça, conhaque. Tento segurar. Nem percebo e já estou mijando o mar morto nos portões da velha catedral. Uma vertigem incontrolável faz tudo girar e despenco, choco-me uma vez contra a parede de cimento, sinto o cheiro de minha urina, tento me levantar, não consigo, e caio novamente, desta vez o estrago é pior, sinto o gosto de sangue, as pernas bambas e despenco pela terceira vez. Tento recuperar as forças, ofegante levanto e cambaleando vou até a escada. Desço pior do que um aleijado desceria. Caio novamente. Enfim resolvo ir para casa. A baiana que não é baiana já desarmou sua banca. Vou pela rua Santo Amaro ziguezaguiando. Quando chego na rodoviária velha dois policiais me abordam , ‘identidade’, as mãos trêmulas buscam a carteira com dificuldade, ‘e esse sangue?’, pergunta o outro policial, ‘tava mijando e despenquei com, a cara no mijo’, aquele que pegou minha carteira devolve com um sorriso de irônica piedade, ‘ vá pra casa , não quero lhe ver mais por aqui hoje!’ por sorte vem um ônibus, constato o vazio do bolso, carteira idem , com o bafo de anteontem peço pela enésima vez para entrar por trás, o motorista cede resmungando, ‘pra encher a cara têm dinheiro.’ Tempestades nauseabundas acordam-me de um sono vazio de sonhos,abro a janela e vomito caudalosamente, banho as janelas e toda a lateral do ônibus. Limpo a boca com o dorso da mão direita. O estômago queima. A cabeça dói. Tento cochilar. Fecho os olhos. A velocidade do veículo pertuba profundamente. Num repente já é manhã de insurportável ressaca. Não consigo raciocinar. A boca amarga. Tudo amargo. Suando frio. Mais um dia de repleto nada. O calor avança. Sede muita sede. Me arrasto até o banheiro, regurgito o que resta da bílis. Levanto e olho as feridas em minha face. E estranhamente não resigno-me, não há remorso apenas uma leve constatação de minha fragilidade física. Sem escovar os dentes volto pro leito. Durmo faminto pois não entra nada. Daqui a pouco será noite. Logo o dia vai passar. Mas esta noite não sairei.amanhã talvez. Porém hoje é só um dia e nada mais!
Um copo atrás do outro... cego... vou pra onde não sei... caminho sob o sol escaldante da manhã... cocaína... bolso vazio... fígado podre... espero não me fuder um dia... todo o corpo dói... vida miserável... mão trêmula... vômito... sono... e o futuro?... vida nova chora nos braços de minha avó... luz insalubre... cada gole uma mancha escura reaparece e toma conta... o mundo ferve lá fora... aqui na ressaca espero que a agonia vá embora... quero um mundo só pra mim... quero tudo que não posso... cabeça latejando... últimos centavos por mais uma dose... doença... cansei de tudo... totalmente sem controle... onde está o amor?... onde está o ódio?... tédio, tédio, tédio... a menina sorri e louva a morte... vou ao banheiro e quando as mesas estão vazias... quebro um promessa... Ororo eleva-se numa nuvem imensa e vai embora em meio a ventania, raios e trovões... o que eu tenho?... nada!... o que eu sou?... um covarde!... e o amanhã?... juro que não sei de nada!... será que ávida é líquida?... cada dia o veneno é mais forte... fel... completamente imaturo... eu sempre estrago tudo... acabou a magia das coisas... hoje a pá está mais cheia... sinto-me um bastardo... não tenho nada... nada!

2 – abril - 2005
Tudo se confunde... heróis são uma piada... tudo reflete... a grande tela me faz sorri... a realidade é puramente efêmera... o preço é caro... o bolso vazio... banquete de restos... a pancada é seca... mil sóis queimam em meu peito... minha palavra é um vale de sombras esquizofrênicas... parece que as coisas tem voz mesmo petrificadas em plena mudez... nada é inexorável... saudades das ruas do doce inferno... tudo se repete... o tédio aflora de variadas maneiras... diante minha face o artificial supera a vida... sinto uma chaga abrindo em meu pulmão.... passos rápidos... suor frio... a noite me cospe numa manhã fria... lembro do perigo orgiástico de rituais ébrios em casarões abandonados á beira-mar... alerta todos, em alerta!... sorria não há como se esquivar... gélido... panelas sujas... vermelho-sangue... respiro... o perigo é você... não ouvem, não sentem, não vêem?... meus brinquedos criaram vida, cuspiram em minha face e foram embora... o estômago revira... mãos úmidas de suor frio... ah! Ia esquecendo o nome é uma farsa somos todos números... algo me separa daquilo que quero... uma vez o mundo explode... daqui vejo sinais de fumaça... equilibro-me entre o real e o irreal... todos os dias uma drágea... a sede não cessa!
Tarde muito tarde... o convívio matando lentamente... toalha molhada... longo muito longo... já não existe mais dor... cada linha escrita torna-se uma expressão vaga de raro mal-gosto... já é natal para os tolos... falsas luzes... plásticas feições... hipnose fatal... a voz telefônica do outro lado da linha mergulha em desgosto... só de lembrar da algazarra de uma família reunida a trocar presentes sinto náuseas e por um instante que durasse dezembro inteiro queria me afastar de todos esses rituais... cai uma ficha, despenca uma vida, o recém-nascido berra pelos imensos peitos da mãe... o que me espera atrás daquela porta?... ignorância pura ignorância... na caixa em que me escondo ainda resta um pouco de paz.... teias de aranha... livros rasgados... pornografia... garatujas que nem eu mesmo compreendo... todos os dias tropeço em destroços de minha existência... pesado muito pesado... a tristeza e o ócio brincam na sala em meio aos restos do almoço de outrora... plantas murchas... a essência repousa cálida, a carne treme de solidão... extremamente perdido... fracasso muito fracasso... sentado na esquina vi a vida passando, de tão pasmado não esbocei nenhuma reação, levantei e fui embora... corda imóvel no canto esquerdo da casa... emaranhado de fios... confusão de imagens, palavras atropelando o peito frágil deste que já não agüenta mais... fotos que desaparecem... palavras engolidas pelos tempo... brinquedos que não funcionam mais...
Sono muito sono... uma apatia que parece irreversível instala-se em minha carcaça... nem sei porquê escrevo ainda... é como se não tivesse razão pra nada... mais uma vez em busca de uma função subreptícia e perder e perder... tenho medo das ruas... rancor muito rancor... migalhas, migalhas é isto que vale todo o meu esforço... pra mim todos os ônibus que pego são caixões... e ao redor catacumbas de 15 andares, catacumbas vendendo produtos variados... um zumbi feminino com o rosto maquiado cantarola Roberto Menescal... sinto extrema inacessibilidade... lembro de um lugar distante... bocejo... de cueca não suporto o calor... daqui a pouco irei ouvir a voz de minha mulher... a tosse de minha Avó preocupa-me... silêncio... ontem percebi o animal em mim... auto-mutilação... o gato preto-e-ranco que me alegrava com peripécias acrobáticas apodrece lá do outro lado da estrada de barro... o violão jaz inerte... vejo a felicidade na face de outros e não entendo... sombrio... triste... o anúncio revela a perfeição de um produto fútil... “ compre, realize,enfim, seja ”... não aprendo nada... catarro escorre do nariz... sem lombra... sem sabor... ossos doendo... cabeça lateja... não consigo encarar toda essa corja reacionária que não respeita ninguém... não luto, mas quero destruir...

03-11-2004
Dobro a esquina ... a cortina se abre... folha seca, já cinza, no chão esburacado... a lombra agora é um peso... o frio machuca...as vezes não entendo a vida... você acorda: a traição rouba-lhe um beijo nas primeiras horas da manhã... você almoça: o azar vem e lhe recita poemas... tudo no momento é uma nuvem esquisita... jubartes mortas à beira-mar... a agonia torna-se um frisson... engulo todas as tralhas e durmo...estranha velocidade... outro dia... as unhas gélidas do inverno castigam a pele... você janta: a miséria vem e arrota em tua face límpida o hálito da fome... outra manhã... anéis no chão...hoje saio da alcova ... um olho vislumbra o passado em cores e sensações que parecem um sonho... o outro olho contempla o futuro em tela virginal branca onde surgem e desaparecem imagens intraduzíveis pro aqui presente... você se prepara para o sono: a loucura ronda impaciente, ansiosa para tomar-lhe nos braços... farelos na mesa... uma família se moscas se refestelam numa minúscula poça de café...tento aquietar-me... o mundo urge e vibra velocidade constante... o mundo que sou dorme e quer mais letargia o tempo inteiro... você levanta-se na madrugada para urinar: a dúvida vem acariciar tua genitália como se fosse um sonho... lá fora as máquinas se movem rumo ao trabalho... bocejo e nada acontece...


9 – 10 – 08 - 2004
Morte na ruela, morte na lixeira, morte no ermo... queremos sem dúvida a permanência do conforto... vago na noite com sede visual de sangue... odeio escuridão... todos os dias o abismo me chama... segredos, segredos,segredos... a lâmina entra na barriga duas vezes, o corpo desaba esvaindo-se em sangue... a luxúria morde minhas tripas... não tenho nada pra doar... e no auge da noite fria encontro o local do crime, o rabecão já tinha engolido o presunto... tudo muito tenso... alvoroço... lágrimas... decepção... a tv alta entra bem fundo no âmago craniano, atrapalha toda a verve criativa... não sei o que fazer diante do enigma da vida... será que esqueço o passado?... estarei vivendo realmente o presente?... três toneladas de dinheiro sumiram de chão adentro... fuligem... panela de pressão sibilando... o sol é envolvido por belíssimas nuvens cinzas... releio minhas garatujas e sinto-me indisposto para qualquer tudo... agora o sol brilha irradiando tudo com vigorosa energia... a minha porção pseudópoda rasteja até a cozinha e refestela-se em maviosa osmose...noite fresca... após uma tare inteira de sono e de sonhos que nunca lembro engulo um caldeirão de palavras delirantes... lá fora grilos cortejam o inverno... aqui eu ando em círculos, falo com as paredes, atesto o quanto estarei só até o fim dos tempos..

Agosto - 2005
Minha senha é verde... o matraquear das máquinas nas primeiras horas da manhã é insuportável... meu número é o 20... extrema letargia acompanhada de suor frio... luvas descartáveis... trajes brancos para tratar as vísceras... catarro ribomba goela acima... minha função é inútil... sinto extrema castração... o humano indo embora... o plástico avança vorazmente... ampolas... quando chego durmo... abre-se um buraco... a pele cicatriza... frágil... suor desce rápido... descontente cortejo o abismo... tudo extremamente falso... o forno esquenta... lembro de velhas palavras... a pior tatuagem é a que não se quer vê... estou prestes a tudo... mas o nada fascina-me profundamente... o podre explode contaminando a todos no corredor... náusea... gritos... as máquinas não param e parecem sorrir do meu cansaço... a voz do outro lado da vitrine grita números.... uma velha reclama... e um emaranhado de vozes entra e sai de minha cabeça confundindo tudo, aumentando meu torpor... a fila é lenta... cédulas pra lá, saúde pra cá... a lâmina afiada deslizava pelo couro abrindo chagas enormes, e sem entender eu pressentia a cura, a lâmina incansável agora atravessava o externo, depois só escuridão... ouvido cansado deste burburinho infernal... meu tempo está passando... melhor meu tempo já chegou...
Mesmo com a porta fechada sinto o cheiro da merda que pulsa lá fora... golfinhos nada em harmonia no rio sujo que corta a província... acima da imundície o sol e as nuvens em formas incríveis... lentamente as imagens retornam aos meus sonhos... canções horríveis na tv... lamento minha pobreza de idéias... um filhote de rato desperta uma estranha ternura em mim... sono... as pedras do dominó caem desordenadamente... fome... a memória convulsiona... o passado vibra na tv... herói viram cinza... vilões enchem o bolso... plágios se eternizam... balas zunindo... piadas perdem o sentido... uns surgem na imensidão... outros somem nas profundezas do ventre terráqueo... o ridículo engole sem piedade... inseto volteia ao redor da lâmpada... a natureza é impiedosa... tento abstrair mas sou puro peso, no máximo rastejo... preciso de silêncio... carnificina... quando desvendo uma página a outra revela-se mais misteriosa... cai uma pétala... a realidade explode em minha face... suicídio... veias carcomidas... tudo fede... sinto saudade da jaula de luz e ilusão... não consigo nada... queria lembrar de tudo... músculos e nervos fervem na solidão... o tempo mastiga minha face... sinto o poder da lâmina... utopia...
Mera ilusão de poder... iluminação... cessam as perguntas... 6 motivos perfurantes lhe aguardam no tambor... a gordura se expande... todos os dias o sono vem cedo... infalivelmente a fome vem em seu horário tradicional... estupor... a barriga ronca, estrebucha, grita, mata o homem em mim... resquício de moral me mantém inerte... tenho que afogar os escrúpulos no que restou do meu vômito... e nas horas que antecedem o alvorecer é cegueira eterna... o fim é tardio, o fim é próximo, o fim é de ontem, o fim paira... velha cadeira de balanço esquecida no fundo do quintal sob a sombra de uma árvore quase morta... ela vem caminha suave deixando marcas indeléveis no existir... a tarde se consuma em calor... o féretro segue rumo ao canteiro de covas... imenso pesar... carne vibrando triste, sedenta, faminta, quase morta... este mundo segmentado não expressa nenhum sentido, apenas um amontoado de regras fúteis... pulso natimorto... palavras e símbolos que insistem em sair, porém eu fecho todos os orifícios e deixo-as como vermes pulsando... voz áspera trincando entre os dentes.... memória rôta... aqui ruína... ali desgraça... lá do outro lado da rua parideiras incansáveis...acolá faca que entra no peito desprotegido de uma idosa... rios de dopamina inundam-me... nuvens cinzas engolem a luz do sol por alguns minutos... agonia... desde sempre uma luta incrível de armas vazias, lâminas cegas, bocas fechadas...


23-11-2004
Máquinas param... homens morrem... épocas são esquecidas... amigos retornam apenas pra visita... não quero sair de casa enquanto essa atmosfera doentia e hipócrita de fim-de-ano estiver no ar... depois a bosta do carnaval... máquinas enferrujam... eu não consigo parar de pensar que tem outro lado, outro país, outra cidade, outras mesmas coisas... homens tossem... estão atrás de mim, tolos, não tenho nada... vermes imperam... a terra estrebucha... deito-me no emaranhado de lençóis empoeirados... contagem regressiva... parece que não chego ao outro dia... a palavra é o que me salva... tanto pra dizer e não consigo... imperfeito e cruel quando olho-me no espelho, quando ouço minha voz, quando acordo e ainda estou aqui... buraco de bala... esmolas aos que precisam... hipocrisia aos que louvam... homens mortos... todo ouro é nada, toda prata é pouca, jazem inertes como dádivas ilusórias... dentes podres... enojado perco a fome... máquinas piscam... lâmina cega... homens peidam... filme antigo... adormeço... colecionadores de merda.... a âncora do jornal sorri quando as letras sobem.... um corpo nu feminino jaz quase podre numa estrada deserta... meio-dia... gato se espreguiçando... cacos... uma melodia antiga... agora na berlinda da meia-noite é só memória do pouco que vivi... mancha escura... páginas e páginas de puro nada... esgoto que explode...flor esmagada entre páginas... homens mutilam... pus reina... cada dia mais só... máquinas auxiliam... a palavra voa... homens abortam ... uma drágea, dois copos, depois privada... máquinas brilham... homens enrugam...
Mais uma vez o sono vem roubar-me do real... a gente conversa e não se entende... insisto no passado... pequena prostituta desliza na mesa... não quero dormir... longe de tudo... insetos em minha pele... não sei o que quero... ir embora sem olhar para trás!... isso aqui está um verdadeiro inferno... não tenha raça!... a foice silva dois metros acima da minha cabeça...as veias do pescoço pinicam de dor... fantasmas... álcool ferve nas veias... uma linda garota estava apagada na minha mente... a casa ameaça cair... muita confusão...libido distante... não sei mais o que me dar prazer... não tenho memória sólida... meu sangue voa nas asas de um pernilongo...esquecer de tudo!... livre da dor... tenho vergonha de mim... a pele arde , coça... nada do que faço vale a pena... o frio corta-me as entranhas... desordem... sem sentido percorro os becos sujos da província...ilusão! ilusão! Ilusão!...não acredito em porra nenhuma... aqui não é fossa mas é merda por cima de merda!... discorde da concórdia que há em você...destrua vossas esperanças...encha meu copo... a farsa engole o mundo...quero descansar...morosidade!


19 – abril - 2005