segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Tenso. Equilibro-me no delicado mundo real. Cada vez é pior. Sinto as tripas arderem. Percebo que as coisas não estão como deveriam. De uns dias pra cá tudo desmoronando. Imensa fragilidade. Aqui com o copo na mão escuto a conversa mole de um transeunte. O mesmo lero-lero de sempre. Sinto vontade de vomitar. Pressinto que a ressaca será dantesca. Engulo a dose de conhaque barato rápido. As tripas ardem mais. O sol castiga impiedosamente. Suo frio. O estômago dói como se tivesse uma gilete passeando cada vez mais no fundo, cada vez mais rápido. Mordo os lábios num misto de dor e inexplicável prazer. O trautear do relógio me pertuba.O tempo não passa. Não agüento mais o balcão, trôpego dirijo-me à mesa. O raciocínio indo embora. A música horrível me faz pedir outra dose, porém de cachaça. Agora só bebo devagar. Daqui desta berlinda de ferro ouço a algaravia das outras mesa: “Eu mato aquela puta, juro por tudo, não vai sobrar nada.” “Ai gatinha vamo nessa que eu tô fissurado nessa buça.” “ Ei rapá essa breja tá quente pra caralho.” Lá fora o sol indo. Não lembro o dia que tenha comido de verdade. Esqueci o sabor de quase tudo. Só memória visual. Não sei onde isto tudo vai dar. Difícil é lembrar como chego em casa. Mesmo cego nunca erro o caminho. O sol ameaça se pôr. Peço a última dose. Engulo de um gole só. Peço outra. Nova porrada. Tonto saio sem rumo definido. Mal viro a esquina e o ventre estrebucha, ânsia de vômito, penso nas últimas doses sorvidas com tanto deleite, respiro fundo, consigo controlar a máquina já arruinada. A cabeça parece que vai explodir. Recomponho-me como posso. Tento caminhar. O gosto indefinível de bílis angustia-me. As pessoas ao redor olham com espanto. Até parece que nunca viram um bêbado. Outras reclamam do meu cheiro. No ponto de ônibus afastam-se de mim. Em profundo alheiamento constato minha total decadência antes das 18:00 hrs. No ônibus sento nos degraus e recomeço a luta contra o Sr. Vômito. Respiro com dificuldade. Cada um que passa pedindo passagem solta um refrão: “Coitado deste aí”. “Vagabundo”. “Jesus te ama”. Nem reajo, afasto-me desajeitado. O hábito avisa que chega o ponto de descida, quase sou chutado. Um moleque cantarola “beber até morrer...”, mando ele à merda com um sorriso nos lábios. Dirijo-me à Praça da Catedral. Antes vou a padaria tomo um copo de café puro. A ânsia de vômito dá uma trégua. Suor desce das tempôras. Vou à banca de revista. Não consigo prestar atenção em nada por muito tempo. Mais uma vez no balcão. Tento disfarçar a fome com uma cerveja. O cara no teclado berrando Carlos Alexandre é insuportável. A cerveja acaba. Peço um torresmo. Parece que tem dez dias. Engulo com dificuldade. Peço mais uma. O garçom atende cansado como se a vida dele tivesse acabado. Não deixo ele me servir. Encho o copo e engulo o líquido dourado até o gosto do torresmo desaparecer. Quase cego levanto-me sem pagar a conta, o garçom vem até a mim, escrutino os bolsos, acho moedas e alguns trocados amassados, peço que conte, minhas mãos trêmulas não me permitem. Pago e vou a escadaria, sinto a brisa, olho pra cima, não consigo ver nada, alguém grita “10:30”. Agradeço e sento-me contemplando as árvores. Hoje os degraus da velha alcova estão vazios. Cada árvore parece querer estabelecer um diálogo. Em pensamento digo-lhes que não estou pra conversa. O tempo voa. Quando tento olhar as horas um passa e diz ‘quinze pra meia-noite’. Respiro tomado por uma ânsia horrível. Tudo embaçado. A bexiga revela-se um oceano de cerveja, cachaça, conhaque. Tento segurar. Nem percebo e já estou mijando o mar morto nos portões da velha catedral. Uma vertigem incontrolável faz tudo girar e despenco, choco-me uma vez contra a parede de cimento, sinto o cheiro de minha urina, tento me levantar, não consigo, e caio novamente, desta vez o estrago é pior, sinto o gosto de sangue, as pernas bambas e despenco pela terceira vez. Tento recuperar as forças, ofegante levanto e cambaleando vou até a escada. Desço pior do que um aleijado desceria. Caio novamente. Enfim resolvo ir para casa. A baiana que não é baiana já desarmou sua banca. Vou pela rua Santo Amaro ziguezaguiando. Quando chego na rodoviária velha dois policiais me abordam , ‘identidade’, as mãos trêmulas buscam a carteira com dificuldade, ‘e esse sangue?’, pergunta o outro policial, ‘tava mijando e despenquei com, a cara no mijo’, aquele que pegou minha carteira devolve com um sorriso de irônica piedade, ‘ vá pra casa , não quero lhe ver mais por aqui hoje!’ por sorte vem um ônibus, constato o vazio do bolso, carteira idem , com o bafo de anteontem peço pela enésima vez para entrar por trás, o motorista cede resmungando, ‘pra encher a cara têm dinheiro.’ Tempestades nauseabundas acordam-me de um sono vazio de sonhos,abro a janela e vomito caudalosamente, banho as janelas e toda a lateral do ônibus. Limpo a boca com o dorso da mão direita. O estômago queima. A cabeça dói. Tento cochilar. Fecho os olhos. A velocidade do veículo pertuba profundamente. Num repente já é manhã de insurportável ressaca. Não consigo raciocinar. A boca amarga. Tudo amargo. Suando frio. Mais um dia de repleto nada. O calor avança. Sede muita sede. Me arrasto até o banheiro, regurgito o que resta da bílis. Levanto e olho as feridas em minha face. E estranhamente não resigno-me, não há remorso apenas uma leve constatação de minha fragilidade física. Sem escovar os dentes volto pro leito. Durmo faminto pois não entra nada. Daqui a pouco será noite. Logo o dia vai passar. Mas esta noite não sairei.amanhã talvez. Porém hoje é só um dia e nada mais!

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