sexta-feira, 4 de junho de 2010

No refluxo das horas espanto-me com a contradição das coisas
Como se fossem frágeis janelas de vidro espatifando-se...
No entardecer de minha ruína
Cada farpa de vidro;
Uma lâmina tosca de enxada cortando-me os pés...
Sangrar, regar o chão com a essência vermelha...
Nos vapores da brisa noturna as fadas festejam
Sim!
As fadas pequeninas festejam
Com suas longas madeixas banhadas de sangue
Rasgam as línguas em cálices quebrados;
Trocam beijos de sangue e saliva
Não muito longe daqui o roçar das línguas
É escutado pelos pequenos duendes
Que já sorriem com o roçar das cicatrizes bucais
Não tarda e chegam com presentes para as fadas ensandecidas
As pequeninas louras de olhos amendoados chupam meus pés cortados
Outras untam minhas pernas com a urina celestial de sua vulvas sedentas
O sangue para de jorrar
Num repente cicatriza e nascem novos dedos
Os gnomos vem saltitando
E aos berros de alegria anunciam a madrugada
Cada farpa é pluma inigualável
Cada ferida flor; ébrio perfume
O crepúsculo esparrama seu manto vermelho
Os galos, os pássaros desferem adagas douradas de som
As pequeninas louras lavam suas madeixas no orvalho
Os duendes entristecem
Os gnomos murcham as orelhas
O manto vermelho do senhor crepúsculo esfaqueia a madrugada
Faz o dia um ser pulsante
Sigo com novos pés em um velho caminho
A cada buraco sou erguido pelo perfume das fadas
Com os olhos tristes elas abanam o adeus
Como uma estaca em meus flancos a varar-me...
A insônia se esvai e adormeço para o dia
Só irei acordar novamente no fluxo, no refluxo das horas, das coisas...

Março 1993
Peidos sufocantes
Cuspidas ao muro
Repúdio
E reluto em voltar pro meu recanto

Um saxofone choraminga ao relento
De uma madrugada qualquer em New Orleans

Tesouras, lâminas cegas, mãos trançando...
Aos poucos vou tornando-me escatológico
A azia irrompe em devastadoras estocadas
O esôfago queima, queima...
Uma barata transita pelo pus ensopando-se até morrer afogada
Peidos!
Peidos?
Cuspidas!
Cuspidas?
Conversas paralelas, risos, pés sujos
Espelhos distorcendo tudo
Pés sujos, unhas coçando, coçando...

Na penumbra um pouco de dúvida, solidão
Um olho com uma estaca
Uma boca pútrida and bulshit
Peidos!?
Penumbra
Na janela uma senhora de cabeça alva
Observando as sombras em seu dramático balé...
Risos e dentes à mostra...

25-01-93
A insensatez
Do medo
A falta
Do nada

O prazer
Não é válido

O ébrio
A conversar
O que não sabe

Consciente
Do que não fez
A sala jaz em silêncio...migalhas pelo chão...
A televisão é um deus morto e manipulador...
A velhice é o cheiro acre e doce de meus avós...
A morte ronda o meu corpo...
A dor é um carro preto e branco pela madrugada...
Não há mais silêncio, existem moscas copulando no chão sujo...
Na noite de ontem retornei pra casa por outro caminho
Não quis mais o mesmo labirinto, resolvi criar novas fugas, novos rumos...
A dor quer algemar a todos...as motos-serra zumbem pela manhã
Aqui não há mais energia...
As paredes, os livros, os retratos, as colagens
Dizem em uníssono que não nasci para possuir, apenas nasci para contemplar...
Ontem em louvor ao invisível copos repletos de cerveja voaram banhando a todos e depois espatifaram-se contra o solo de mármore...
Não quero escutar o burburinho...não quero ver as feridas ambulantes que são as pessoas...
Aos poucos sou invadindo pela luz, pela felicidade;
Belos sorrisos numa tarde de sábado...
Queria não mais sentir a felicidade porque ela é muito rápida...
Bolhas de sabão na noite...pia entupida de vômito amarelo
Sem perceber saio de casa...não mereço o que tenho...
Pressa e inconstância são os elementos que moram em meu coração...
Meus olhos recusam-se em contemplar a claridade.
Minhas mãos não desejam tocar em pele alguma
E no meu peito arde um redemoinho de dor, desejo e expectativa
Não sei que estradas me esperam mas sei para onde vou...
A cada biscoito mastigado o tédio lapida-se...a sala já não é silêncio...
E você parece uma partícula de filme noir...
Divago, cochilo, por alguns segundos...
Minha Bisavó repousa alegre aos 87 anos no antigo retrato...
O langor das tarde de verão me abraça...nos outros lares os deuses estão ligados...aqui é como se a escuridão engolisse o dia dentro do próprio dia.
Meu corpo é uma lesma letárgica...teu sorriso algo lisérgico
Sinto-me mera mancha em teu corpo...
Sou sono, sonho e quase vida...

Março 1996
Deitar
Fechar os olhos
E sentir todas as feridas até a carne não agüentar mais

Esticar
Gritar de rouquidão
Ver o pus explodir como pequenas papoulas amarelas
Cogumelos líquidos brotando na pele morena

Amar
Lograr a todos
E esquecer tudo aquilo que tenha semelhança ou que seja amor
Tanto mas tanto que alma vazia vague nula e incompreensível

Correr
Flutuar nas entrelinhas
E não mais sentir os pés
Pequeninas asas que fazem flutuar acima, muito acima

Sentar
Camuflar-me em meio ao cinza do inverno
Deixar que as imagens grudem no corpo
Patchwork esquizofrênico, caleidoscópio irreversível

Dormir
Morrer
Esquecer que há um mundo sólido
Vórtice Caótico
Eterna claridade

09-06-96
Fadiga...os minutos correm como minúsculos dardos venenosos,
As horas passam lentamente com foices sem gume na densa vegetação...
Fome...a mente grita, o corpo reluta pedindo ocaso, indecisão eterna...
Os outdoors dizem: colecione, empilhe, forneça, seja do mundo
Ressuscite, construa estátuas, eternize-se...
As músicas na manhã de sexta-feira são lentas, densas...
Não sei por que há tanta vida nesta carcaça...os flancos explodem em dor...
Cada palavra um eterno retorno...
Cada “noite perdida” é um encontro com o que resta
Da essência-vida que em mim reside...
Não há desespero, apenas fleuma intransponível que agride
E quebra todos os espelhos.
Quando começo o vômito, não quero mais parar
Enquanto houver vazio branco frente aos meus olhos...
E num murmúrio as palavras da grande amiga-irmã tornaram-se banais
Como se fossem anúncios de televisão; os gestos não forma suaves,
Não havia mais a fada que conheci.
Tenho medo que seja a última vez que à vejo...
Revista velha, mofada no meio da sala limpa...
Na madrugada de hoje não sonhei; o sono foi um manto negro e inerte...
As foices brandiam ferozes no ar mas nada eram contra o poder das rajadas...mais uma vez o sangue banha a terra...ontem tudo foi frustração...
Não há sombras, tudo é horrível luz varando as pupilas...
Não permito o silêncio em nenhum dos vãos da alcova, não aceito o vazio,
Tem que haver alguma coisa, algum resquício;
Sempre patchwork incontrolável, nunca página em branco...
As antigas canções arrepiam todo o corpo, trazem lágrimas aos olhos
Me fazem descontrolado na manhã nublada de abril....
O perdão é um tanque passeando nas ruas de Sarajevo...
Vagaroso, tortuoso, escorregadio, eis o mundo como o fizeram...
Até que ponto vale viver? Sou mais um corpo suado sob o sol do Nordeste.
Cacto ressecado...etíope espécime entre paredes repletas de neon da cidade.
Desespero...fácil é lutar e não ser feliz...
Quase tudo em minha casa é distante, estranho e infeliz...
Não sei onde por as mãos e as palavras...
O paladar tornou-se obsoleto pois as coisas que rodeiam não possuem mais sabor algum...lampejo...vozes...cacos..
O querer já não é desejo mas mero ato enfadonho; louvor à ruína.

19-abril-1996