domingo, 27 de agosto de 2017

Livre da máquina? Livre de ser máquina?  Minha sombra gargalha, a crisálida é rompida. Frases repetidas. Escuto mas não assimilo. Lento, deslizo na manhã, ainda sono, ainda quase pesadelo. Irreal. Confuso. Xícara vazia. Fones desligados. Ele esperava mas foi esmagado pelo tempo. Todo dia é uma nova ruptura. Em transe desconheço o mundo, regurgito pessoas. Saudade da entorpecedora alegria de atirar para o alto em manhãs ensolaradas. Agora um cochilo resolveria muita coisa; uma breve estadia no vazio do descanso. O mesmo trajeto, signos que se repetem, velocidade lenta, o óbvio gruda na pele. Escarificação. Não tenho força pra expressar as imagens em minha cabeça. Poeira. Claridade excessiva.
Outro dia. Oito horas da manhã de um sábado ensolarado e tórrido. Resquícios de sonhos levitam intocáveis. Desespero suave, daqueles que lhe levam ao limite de maneira simples e calma. Superficial. Minha palavra é uma fuga, a maior das fugas, um esquecimento, um dormir ao relento, seguri o fluxo sem ruminar, uma profundidade estéril, finjo acreditar nas bobagens que ouço, minto quando digo que vejo se nem sei realmente o que vem a ser o ato de ver. Quero o vômito azedo por cima do peito escorrendo até a virilha, quero o lombo sangrando até as nádegas, quero cuspidas na cara, quero que a vulva banhe-me com jato mais forte de uma urina quente e magnanimamente dourada, quero a baba depois de estocar no fundo da garganta, também quero a lágrima, quero gotas de suor do ânus, quero a sola dos pés sujos em minha face, quero o suor da vulva depois de um dia estafante de trabalho, quero peidos, quero o peso do corpo nu sufocando minha face; o buraco da vida, o buraco da merda, quero o há lito acre doce das primeiras horas da manhã, quero a língua sibilante em minha glande ainda suja depois de uma longa noite solitária de masturbação esquizofrenética, quero a mão inteira abraçada pela vulva, e quero as variantes mais nauseabundas que possam surgir. Terrível ir de um lado para o outro, não poder satisfazer, como se os grilhões invisíveis, estivessem atados aos meus calcanhares, pior mesmo é o silêncio dentro da cabeça e aos poucos cochichos tomam forma de uma confusão oral, de uma balbúrdia sonora, uma confusão de uma única voz, variação bizarra de uma única expressão, cada voz é uma parturiente surreal, cada voz uma enxurrada de imagens, questionamentos, ordens, desejos e muita mas muita frustração. E tudo isso zanzando em ruas desertas de um bairro fudido. Ó doce incompetência de estar vivo. Movo a poeira dos livros, levita e cai mais embaixo, tudo não passa de uma sucessão de desencontros, descendo a ladeira, ralando os joelhos, tentando a todo custo parar a queda, mas, nunca para, nunca o conforto se estabelece. Amargo na boca, articulações travadas, cansaço extremo. Tenho uma dádiva nas mãos, pressinto que posso estragar tudo, flashes insanos, passeiam em minha cabeça. Dor de cabeça fina bem atrás do olho direito. Sinto falta de café. Ser inútil, viver inútil, acordar inútil. O erro prevalece, a virtude tomba, a moral não passa de um leproso pedindo esmola na porta de uma igreja, o escrúpulo é enterrado, a boa vontade é uma puta raquítica de 13 anos vendendo sua genitália podre e suja por dez reais. No silêncio da manhã ensolarada refugio-me em meio às estantes, penso que o passado possa me anestesiar, sugar-me desta sinfonia dodecafônica de carros que passam incessantemente. Leve desordem prefigura caos incontrolável. Passei três dias deitado no azulejo branco e frio. Encurralado. Qualquer opção vai dar em merda. Tento mas não consigo, todo mergulho interior revela-se uma frustração sem tamanho, superfície lisa e estéril e impenetrável. Um final de semana sem uma gota de álcool, uma terça-feira iluminada e sem ressaca. Triste muito triste. Buzinas nervosas anunciam o dia. A senhora de cabelos curtos vê o livro antigo e lembra com regozijo e vejo na minha mente obnubilada pelo sono imagens de sua vivência de outrora. Atrasado, hostil, ignorado. Apenas o silêncio, apenas ouvir os barulhos exteriores. Como entender a polifonia estapafúrdia da vida? 

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