Livre da
máquina? Livre de ser máquina? Minha
sombra gargalha, a crisálida é rompida. Frases repetidas. Escuto mas não
assimilo. Lento, deslizo na manhã, ainda sono, ainda quase pesadelo. Irreal.
Confuso. Xícara vazia. Fones desligados. Ele esperava mas foi esmagado pelo
tempo. Todo dia é uma nova ruptura. Em transe desconheço o mundo, regurgito
pessoas. Saudade da entorpecedora alegria de atirar para o alto em manhãs
ensolaradas. Agora um cochilo resolveria muita coisa; uma breve estadia no
vazio do descanso. O mesmo trajeto, signos que se repetem, velocidade lenta, o
óbvio gruda na pele. Escarificação. Não tenho força pra expressar as imagens em
minha cabeça. Poeira. Claridade excessiva.
Outro dia. Oito horas
da manhã de um sábado ensolarado e tórrido. Resquícios de sonhos levitam
intocáveis. Desespero suave, daqueles que lhe levam ao limite de maneira
simples e calma. Superficial. Minha palavra é uma fuga, a maior das fugas, um
esquecimento, um dormir ao relento, seguri o fluxo sem ruminar, uma profundidade
estéril, finjo acreditar nas bobagens que ouço, minto quando digo que vejo se
nem sei realmente o que vem a ser o ato de ver. Quero o vômito azedo por cima
do peito escorrendo até a virilha, quero o lombo sangrando até as nádegas,
quero cuspidas na cara, quero que a vulva banhe-me com jato mais forte de uma
urina quente e magnanimamente dourada, quero a baba depois de estocar no fundo
da garganta, também quero a lágrima, quero gotas de suor do ânus, quero a sola
dos pés sujos em minha face, quero o suor da vulva depois de um dia estafante
de trabalho, quero peidos, quero o peso do corpo nu sufocando minha face; o
buraco da vida, o buraco da merda, quero o há lito acre doce das primeiras
horas da manhã, quero a língua sibilante em minha glande ainda suja depois de
uma longa noite solitária de masturbação esquizofrenética, quero a mão inteira
abraçada pela vulva, e quero as variantes mais nauseabundas que possam surgir.
Terrível ir de um lado para o outro, não poder satisfazer, como se os grilhões
invisíveis, estivessem atados aos meus calcanhares, pior mesmo é o silêncio
dentro da cabeça e aos poucos cochichos tomam forma de uma confusão oral, de
uma balbúrdia sonora, uma confusão de uma única voz, variação bizarra de uma
única expressão, cada voz é uma parturiente surreal, cada voz uma enxurrada de
imagens, questionamentos, ordens, desejos e muita mas muita frustração. E tudo
isso zanzando em ruas desertas de um bairro fudido. Ó doce incompetência de
estar vivo. Movo a poeira dos livros, levita e cai mais embaixo, tudo não passa
de uma sucessão de desencontros, descendo a ladeira, ralando os joelhos,
tentando a todo custo parar a queda, mas, nunca para, nunca o conforto se
estabelece. Amargo na boca, articulações travadas, cansaço extremo. Tenho uma
dádiva nas mãos, pressinto que posso estragar tudo, flashes insanos, passeiam
em minha cabeça. Dor de cabeça fina bem atrás do olho direito. Sinto falta de
café. Ser inútil, viver inútil, acordar inútil. O erro prevalece, a virtude
tomba, a moral não passa de um leproso pedindo esmola na porta de uma igreja, o
escrúpulo é enterrado, a boa vontade é uma puta raquítica de 13 anos vendendo
sua genitália podre e suja por dez reais. No silêncio da manhã ensolarada
refugio-me em meio às estantes, penso que o passado possa me anestesiar,
sugar-me desta sinfonia dodecafônica de carros que passam incessantemente. Leve
desordem prefigura caos incontrolável. Passei três dias deitado no azulejo
branco e frio. Encurralado. Qualquer opção vai dar em merda. Tento mas não
consigo, todo mergulho interior revela-se uma frustração sem tamanho,
superfície lisa e estéril e impenetrável. Um final de semana sem uma gota de
álcool, uma terça-feira iluminada e sem ressaca. Triste muito triste. Buzinas
nervosas anunciam o dia. A senhora de cabelos curtos vê o livro antigo e lembra
com regozijo e vejo na minha mente obnubilada pelo sono imagens de sua vivência
de outrora. Atrasado, hostil, ignorado. Apenas o silêncio, apenas ouvir os
barulhos exteriores. Como entender a polifonia estapafúrdia da vida?
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