12 – março –
2010
Diante da tela
ele descansa. Diante da página ele viaja, transpõe os próprios limites. A água
do chuveiro desce suave, de olhos fechados deixa-se ao devaneio líquido. A
sujeira descendo. Sente ele em si indo pro esgoto, tala qual intimidade quente
e avassaladora. Sem transeuntes, sem vozes, nada de cotidiano, apenas ele e os
canos sujos, indo misturando-se com todo o resto até ser uma massa difusa sem
distinção, quem sabe morte, quem sabe nada. Deita-se pesado. Uma pedra, um
bloco, um peso no peito, o ar cada vez mais rarefeito, espera o sono, chega a
passos lentos, telhados dissolvendo-se, escuridão que abunda e abraça tudo. A
palavra soa, ninguém entende, música inebriante que surge do nada. A poça de
lama no quintal exala um odor nauseabundo. Acocara-se perante a poça, o que vê
é terrível; porque até pro belo é terrível contemplar-se, no caso dele é
diferente sem ser, pois sabe muito bem que a feiura é o que lhe veste. Marasmo
total. Joelhos doem. Levanta-se com dificuldade. Zonzo. Caminha de volta ao
casebre como se fosse um passeio final ao cadafalso. E dentro da enorme caixa
de aço que desliza pelas ruas, a pele, o corpo roça, choca-se e sente vindo das
bocas, das axilas, dos cabelos, das genitálias, miríades, galáxias, nuances,
rastros que deleitam, dão nojo, as papilas reagem, uma batalha estar e
permanecer em pé. E quando desce não sabe pra onde vai. Ruas desertas. Praças
sujas. Janelas vazias. Estranha sensação de ser o único que realmente está
vivo. O que fazer numa rua de portas fechadas? Tentar ouvir? Tentar sentir o
que há lá dentro? Encosta o ouvido na parede mas não consegue captar nada. A
copa das árvores da praça emitem um som, quase uma canção. Senta-se no
meio-fio, cospe no asfalto quente. Engole seco. Lê e então entende. Escuta o
agouro. Limpa o suor da testa. Anda. Continua.
Nenhum comentário:
Postar um comentário